Escrito por: Redação CUT
Mesmo com ministro Vital do Rêgo apontando "erros grotescos", maioria do TCU formou posição favorável aos valores para a venda da estatal. Se for privatizada, contas de luz ficarão cerca de 17% mais cara
Por 6 votos a 1, nesta terça-feira (15), o Tribunal de Contas da União (TCU), deu aval aos valores da desestatização do sistema Eletrobras, conforme queria o governo de Jair Bolsonaro. O resultado se deu mesmo com o revisor, minisitro Vital do Rego, apontando "erros grotestcos" no modelo de venda. Um deles é o próprio valor proposto e aprovado, de R$ 67 bilhões. Para o ministro, o valor de venda da companhia deveria ser duas vezes maior do que o previsto na transação, ou seja, no mínimo, R$ 130 bilhões. Mesmo avalizado pelo TCU, o modelo de venda ainda está em análise.
Do lado de fora do Tribunal, houve manifestação de trabalhadores contra a privatização. A Federação Nacional dos Urbanitários (FNU-CUT) divulgou carta aberta aos ministros do TCU (veja abaixo). Dois deles não votaram: a presidenta do tribunal, Ana Arraes, e o “estreante” Antonio Anastasia.
Segundo Vital do Rêgo, é um erro crasso considerar apenas valores estimados de energia, excluído os de potência das usinas do sistema. O relator, Aroldo Cedraz, sugeriu apenas incluir uma recomendação no sentido de considerar a potência em novos contratos, argumentando que não há ainda uma regra clara a esse respeito. “Recomendação é história pra inglês ver. Se não colocar determinação, e mantiver recomendação, pra mim não tem nenhum sentido”, contestou Rêgo. “Separar (energia e potência) é fazer a festa da iniciativa privada”, disse quase ao final da sessão, encerrada às 19h07 pelo vice-presidente, Bruno Dantas. “Agora, o famoso mercado está com os olhos brilhando.”
O revisor do processo sobre a Eletrobras também reagiu a comentário de outro ministro do TCU, Benjamin Zymler, de que costuma haver confiança de que o “mercado” resolverá as questões. Ao mesmo tempo, Zymler admitiu que não se tratava de um “processo comum de concessão de serviços públicos”. “O mercado regula lá na capitalização”, disse Vital do Rêgo. “Aqui no VAC (valor adicionado aos contratos) o mercado ri.”
Segundo ele, a subavaliação do VAC seria de R$ 63 bilhões. Segundo suas estimativas, o valor da outorga passaria de R$ 23,2 bilhões para R$ 57,2 bilhões, enquanto repasses para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) iriam de R$ 29,8 bilhões para R$ 63,7 bilhões. A maior parte da diferença refere-se à não inclusão da chamada precificação da potências das usinas. “Um erro absurdo, crasso”, disse o ministro, referindo-se também ao fato de o governo não ter considerado devidamente o risco hidrológico dos próximos anos.
O modelo aprovado, acrescentou o ministro, pode ter consequências negativas para o consumidor. ” Sabemos que o brasileiro sofre hoje com as consequências de ter de pagar pela segunda tarifa de energia mais cara do planeta, segundo dados da agência internacional afeta ao tema. Levar adiante a desestatização da Eletrobras no formato eivado de falha técnicas, aqui detalhadamente demonstradas, significará grandes possibilidades de passarmos a ocupar o primeiro posto nesse nefasto ranking”, afirmou.
Preço da conta de luz vai aumentar
A venda da Eletrobras também vai prejudicar 99,7% da população brasileira que é consumidora de energia elétrica. A projeção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é de que as contas de luz subam, de imediato, entre 16% a 17% em todo o território nacional.
O engenheiro eletricista da Eletronorte e dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), Íkaro Chaves, explica que hoje, quem regula o preço da energia no Brasil é a estatal.
“Uma estatal visa o interesse público. Já uma empresa de capital privado visa o lucro. Uma multinacional vai colocar o preço que quiser, e sem competição as pessoas não terão para onde correr”.
Em maio do ano passado, a Associação de Engenheiros e Técnicos da Eletrobras (Aesel), que enviou uma nota técnica ao Congresso expondo argumentos para provar que a privatização da Eletrobras será prejudicial ao Brasil.
Ikaro Chavez, que integra a Associação, explicou que o próprio governo admitiu no texto da Medida Provisória n° 1031, da privatização da Eletrobras, que vai pegar uma parte das usinas de hoje vendem energia por regime de cotas, mais barata, e jogar no mercado livre, o que por si só, já encarecerá o preço ao consumidor em ao menos 14%.
“Adicionados outros fatores como condições climáticas, a falta de investimentos e a concentração de mercado que acontecerá com uma Eletrobras privatizada, o reajuste ao consumidor deverá ficar bem acima desses 14%”, diz o engenheiro.
Outro prejuízo à população é em relação à qualidade do serviço prestado pela iniciativa privada. As queixas da população pelo aumento de preços e falta de energia são comuns em todos os municípios onde a energia foi privatizada. Um exemplo disso é o que está acontecendo no Distrito Federal. Após a privatização, as queixas contra o serviço prestado aumentaram 532%. Os principais registros de recalamações foram ausência de resposta, resolução de demandas, excesso de prazo, serviço não fornecido e cobrança indevida.
Dois ministros, embora discordassem do revisor, chegaram a dizer que não venderiam a empresa nos termos propostos. “Ainda não está no nível de maturidade adequado das contas para a privatização da Eletrobras. Se a Eletrobras fosse minha, eu não a privatizaria com essas contas. E não falei do impacto tarifário”, declarou Zymler, acompanhado por Jorge Oliveira pouco depois.
O decano do TCU, Walton Alencar Rodrigues, afirmou que o sistema Eletrobras entrega resultados “extremamente desastrosos”. Para ele, um aumento de valor afugentaria invetidores e reduziria o valor das ações. O ministro disse ainda que o objetivo é conseguir investimento para eliminar o risco de falta e energia “para os setores produtores nacionais”. Não falou sobre consumidores físicos.
“Reforço que não se está aqui a defender que a decisão pela desestatização da Eletrobras seja revogada”, disse Vital do Rêgo. “O que se exige é que o processo esteja suportado em parâmetros consistentes que garantam a higidez do modelo escolhido, e, principalmente, assegurem o interesse do titular do patrimônio público a ser desestatizado – a sociedade brasileira.”
O Coletivo Nacional dos Urbanitários (CNU) publicou comunicado reforçando a mobilização para os próximos passos do processo de privatização da Eletrobras que incluem etapas na esfera judicial e no paralamento. Veja a íntegra da nota:
Trabalhadores, trabalhadoras e familiares das empresas do Sistema Eletrobras. O Coletivo Nacional dos Eletricitários se dirige a cada um e cada uma neste comunicado bem como seus familiares. Estamos atravessando uma tempestade que iniciou em 2016 com o golpe contra a presidenta Dilma e se estende até os dias atuais, em um nebuloso processo de entrega do Património Nacional.
Hoje, tivemos mais um revés no TCU, nada que já não fosse esperado, até porque lutamos contra a caneta e a forma suja de persuadir desse governo. É característica do ser humano desanimar com as dificuldades e toda vez que tivemos percalços ao longo do processo de Privatização nos desanimamos momentaneamente Mas sempre levantamos a cabeça e voltamos a lutar empurrando o processo para frene.
É preciso lamber as feridas e voltar a lutar.
Nosso trabalho incansável e obstinados de luta é o de denunciar pra sociedade, desnudar todos os absurdos da Privatização e ir aos quatro cantos mostrar o festival de absurdos da Privatização da ELETROBRAS.
Vamos resistir ao longo desta segunda fase de votação no TCU. No processo, teremos a modelagem e separação de Eletronuclear e Itaipu, resistiremos à AGE e a toda tentativa de andamento interno às empresas do processo com o esforço de todos e todas.
Existem muitas etapas importantes para acontecer e estamos atentos a todas elas, nas esferas judiciais e no parlamento. A operação é complexa e temos nossos escritórios de advocacia pensando em cada detalhe para que
possamos resistir e vencer.
Temos uns aos outros, definitivamente com a compreensão de que se privatizar, nossos futuros como trabalhadores desta empresa estará comprometido. Por isso acreditamos em cada um e cada uma, nas suas capacidades de resistir.
A cada etapa que passa, mais pessoas se engajam na luta, potencializando nossas iniciativas de resistência a este processo. Para isso, precisaremos estar organizados, firmes e decididos a barrar o processo, pois
chegamos à reta final.
Hoje vamos descansar e a partir de amanhã, inicia a nova etapa da luta, com muita força, garra, perseverança e principalmente, com a cabeça levantada, de cada um e cada uma que se empenha nesta empreitada de defender o patrimônio público do povo brasileiro que é a Eletrobras.
Eletrobras Pública!
Brasil Soberano!
Brasília, 15 de fevereiro de 2022.
Com apoio da RBA