Escrito por: Tatiana Melim

Temer quer usar FGTS do trabalhador para cobrir rombo das Santas Casas

MP que cria linha de crédito com recursos dos trabalhadores não resolve o problema da falta de investimento na saúde e fragiliza conta do Fundo, denuncia representante da CUT no Conselho Curador do FGTS

Divulgação/Caixa

O golpista e ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), que congelou por 20 anos os investimentos públicos em saúde, decidiu usar os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para abrir uma linha de crédito em socorro às dívidas de mais de R$ 20 bilhões das Santas Casas e hospitais filantrópicos, sem levar em consideração que algumas das dívidas são por má gestão e desvios de recursos.

Segundo o texto da Medida Provisória 848/18, assinada por Temer no dia 17 de agosto, a nova linha de crédito destinará a essas instituições 5% do orçamento anual do FGTS - o que, em 2018, corresponde a cerca de R$ 4 bilhões. Os juros dos empréstimos serão de 8,66% ao ano, contra os 17% a 18% anuais, em média, cobrados pelo mercado.

O risco financeiro da operação ficará com os três bancos oficiais do governo: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A MP será analisada inicialmente por uma comissão mista do Congresso Nacional, composta por deputados e senadores e, se aprovada no plenário, os recursos só serão liberados após aprovação do Conselho Curador do Fundo de Garantia.

Para o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho Curador do FGTS, Cláudio Gomes, a MP 848 é mais um golpe promovido pelo governo ilegítimo de Temer contra o patrimônio dos trabalhadores e trabalhadoras e não resolve os problemas das entidades endividadas.

“É mais uma manobra para compensar o congelamento de recursos públicos, que tirou os investimentos da saúde por 20 anos e agravou ainda mais a situação dessas entidades”.

“Agora o governo quer utilizar os recursos privados dos trabalhadores depositados no FGTS para cobrir o rombo”, critica o dirigente, lembrando que os recursos têm destinação específica na lei, como em casos de demissão imotivada, saques previstos na legislação e aplicação nos setores de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana.

Segundo Cláudio Gomes, que também é presidente da Confederação Nacional dos Sindicados de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), incluir o investimento em saúde entre os setores que podem receber os recursos do Fundo de Garantia não é a solução para enfrentar o principal problema que é a necessidade de criar uma política de remuneração adequada às entidades de caráter privado que prestam serviço público.

“Essa é mais uma atitude equivocada do governo. A solução do problema não está na disponibilidade de crédito mais barato com recurso do trabalhador”, diz.

O dirigente lembra que já foram criados instrumentos para financiar as entidades filantrópicas da saúde e a oferta de crédito mais barato não resolveu a questão das dívidas. Ele se refere à aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 13.479, de 5 de setembro de 2017, que instituiu o Programa de Financiamento Preferencial às Instituições Filantrópicas e Sem Fins Lucrativos (Pró-Santas Casas). “Isso demonstra que a solução do problema não está na disponibilidade de crédito”, diz.

O representante da CUT no Conselho do FGTS alerta, ainda, para outro fator que precisa ser levado em consideração “que é o problema da má gestão de diversas entidades”.

“Sabemos que, em alguns casos, a falta de controle financeiro e sérios problemas de gestão estão levando essas instituições a enfrentarem dificuldades,” aponta Cláudio Gomes.

Já o técnico da subseção do Dieese da CUT, Alexandre Ferraz, diz que não há espaço para o FGTS destinar recursos para as Santas Casas, pois isso vai fragilizar as contas do Fundo e prejudicar as políticas de geração de emprego justamente em um momento em que falta trabalho para 27,6 milhões de brasileiros.

“O FGTS tem observado uma queda significativa das disponibilidades financeiras. Reservar parte do orçamento para as Santas Casas, além de prejudicar o Fundo, vai retirar recursos de políticas importantes de geração direta de emprego. As carências do país em saneamento e infraestrutura também são enormes.”

Além disso, lembra o técnico do Dieese, as entidades de saúde, entre elas Santas Casas e hospitais filantrópicos, possuem dívidas grandes com os trabalhadores e trabalhadoras. Os débitos com o FGTS e INSS, que são recursos destinados às políticas de geração de emprego e pagamento previdenciário, chegam a quase R$ 800 milhões e R$ 7 bilhões, respectivamente.

Santas Casas

O Brasil tem ao todo 2.100 Santas Casas e apenas 10% têm situação financeira equilibrada. A maioria (90%) está endividada, totalizando quase R$ 20 bilhões em dívidas, segundo dados divulgados pela Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) no ano passado. 

Os déficits financeiros dessas instituições fizeram com que muitas Santas Casas se tornassem alvo de investigação. Em 2014, a Santa Casa de São Paulo, a maior do País, passou a ser investigada pelo Ministério Público devido a irregularidades em contratos com empresas terceirizadas.

O promotor Arthur Pinto Filho chegou a afirmar na época que havia indícios de irregularidades em diversos setores do complexo hospitalar, o que explicava a grave crise financeira, com dívida da ordem de R$ 800 milhões. 

Em Sorocaba, interior de São Paulo, o ex-provedor da instituição foi indiciado pela Polícia Civil por associação criminosa e corrupção passiva depois da descoberta de desvio de quase R$ 6 milhões da instituição por meio de contratos fraudulentos. Segundo a investigação, ele usava o CNPJ de uma padaria para lavar dinheiro usando contas isentas de impostos. O hospital sofreu intervenção da prefeitura.

Na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, a prefeitura também teve de intervir depois de uma auditoria encontrar despesas de viagens sem comprovação, funcionários fantasmas e indícios de superfaturamento de contratos.

Outras Santas Casas, como a de Rondonópolis, do Rio de Janeiro, e de Formiga, em Minas Gerais, também foram alvo de denúncias pelo Ministério Público por desvios de recursos das entidades.