Escrito por: Luís Gomes/ Sul 21
Trabalhadores da antiga Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), que permanecem na empresa, dizem que a prática foi adotada após a privatização
Todos os dias, no início do expediente, trabalhadores de uma empresa contratada pela Equatorial para fornecer mão de obra são perfilados diante de gestores e cobrados a responder palavras de ordem e, em alguns dias, a cantar o hino nacional.
Trabalhadores da antiga Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), que permanecem na empresa, dizem que a prática foi adotada após a privatização e que seria um constrangimento imposto a funcionários de uma empresa terceirizada.
Os trabalhadores que aparecem no vídeo são vinculados à Setup, que presta serviços em Porto Alegre, Viamão, Alvorada, Guaíba, Eldorado, Butiá e Pantano Grande. Após a privatização do braço de distribuição da CEEE em 2021, o Grupo Equatorial assumiu o serviço no Estado e passou a contratar empresas terceirizadas para fornecerem mão de obra para substituir os antigos trabalhadores da companhia de energia gaúcha.
Trabalhadores da Equatorial ouvidos pela reportagem, mas que não quiserem se identificar, relataram que o ritual em que os funcionários são enfileirados para receber instruções de gestores, já vestindo capacete, óculos e cinto de proteção, ocorre todos os dias, por volta das 7h30. A reprodução do hino seria esporádica. Eles também disseram que os funcionários da Setup estão substituindo técnicos da antiga CEEE que foram demitidos ou se desligaram da empresa no processo de privatização.
Assista ao vídeo
A ideologia militar chegou na Equatorial. É assim que a empresa privada que assumiu a concessão da CEEE-D trata seus trabalhadores, como soldadinhos obedientes, prontos a acatarem as ordens de seus superiores, obedientes, leais e obstinados no seu trabalho. pic.twitter.com/Rhrba8M5Bc
— Jeferson Fernandes (@DepJeferson) May 21, 2022Militarização
Para o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), que divulgou o vídeo nas redes sociais, o ritual e outras imagens que chegaram ao seu gabinete se assemelham à ordem unida (formação característica dos militares) e configuram uma militarização do serviço.
“É um abuso, porque se fazem ordem unida daquele jeito ali, certamente tem mais coisas que são típicas de caserna, que não é típico de empresa que tem liberdade para as pessoas manifestarem suas opiniões. Até pode ter um momento de reflexão na empresa de manhã, de concentração, de ginástica laboral, não tem problema nenhum, agora formação típica de militar eu não tinha visto ainda dentro de empresa privada, ainda mais uma que presta um serviço público”, avalia Jeferson.
O deputado diz que irá levar o caso para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e que uma das possibilidades de encaminhamento é fazer um pedido ao Ministério Público do Trabalho para que averigue se os trabalhadores estão sendo submetidos a constrangimento e assédio moral.
“É óbvio que as pessoas não vão se expor, então tem que ter uma diligência do Ministério Público do Trabalho averiguando que situação é essa”, diz o deputado. “Garantir que volte luz para as pessoas, eles não estão fazendo, mas fazem lavagem cerebral nos trabalhadores”, complementa.
Assédio moral
Diretor do Sindicato dos Eletricitários do RS (Senergisul), Antônio Jailson Silveira diz que a informação que recebeu é de que o vídeo foi gravado em Porto Alegre. Segundo ele, o jurídico do sindicato está estudando medidas cabíveis, mas adianta que poderá denunciar a situação ao Ministério Público do Trabalho como assédio moral aos trabalhadores. “Para nós, é um assédio moral degradante, parece um exército do Bolsonaro”, diz.
Silveira diz que estava tentando desde segunda-feira (23) entrar em contato com representantes da Setup para marcar uma reunião antes da formalização da denúncia ao MPT. “Hoje, após o almoço, um gestor me ligou e me disse que é procedimento padrão da empresa, inclusive em outros estados. Fiquei mais preocupado ainda”, afirma.
Procurada pela reportagem, a CEEE Equatorial informou que a prática seria comum às concessionárias de energia do País e é realizada no âmbito do Diálogo Diário de Segurança (DDS). “O DDS tem como objetivo conscientizar, sistematicamente, os trabalhadores sobre a prevenção de acidentes e consolida as melhores práticas para trabalho com segurança, além de saudações motivacionais”, diz a empresa em nota.