Escrito por: Cláudia Motta, da RBA
Para economista e ex-ministra do Desenvolvimento Social, governo Bolsonaro não queria pagar auxílio emergencial e está dificultando o acesso da população a essa renda básica
A dura saga de quem busca receber o Auxílio Emergencial de R$ 600. Esse foi o tema do debate realizado na tarde desta segunda-feira (27), pelo Instituto Lula, que reuniu a economista e ex-ministra do Desenvolvimento Social (2011/2016), Tereza Campello, e o líder comunitário integrante do Comitê Popular de Enfrentamento à Covid-19 Claudinho Silva. A mediação da conversa foi feita pela advogada e diretora do instituto Tamires Sampaio.
“A renda básica emergencial já fez aniversário e ter informação do que está acontecendo é uma dificuldade imensa”, criticou Tereza Campello, que participou da formulação do projeto que acabou sendo aprovado pelo Congresso Nacional e resultou no pagamento do auxílio durante a pandemia do novo coronavírus.
“Projeto que formulamos e ajudamos a montar porque o governo não tomava atitude nenhuma. Ficar em casa ou não, não é escolha da população. As pessoas querem se proteger, mas precisam ter renda. Só 10% dos brasileiros puderam manter seus empregos e ficar em casa fazendo home office”, avalia a ex-ministra, lembrando que pelo governo passaria uma “proposta de fome”, de R$ 200, e só para quem não era do Bolsa Família e já fazia parte do cadastro único. “Entramos com a proposta da renda emergencial. Queríamos um salário mínimo”, afirma, mas o que acabou passando pela votação foi o valor de R$ 600 a R$ 1.200 por família.
“Pelo que a gente sabe, uma parcela já recebeu, quem era do Bolsa Família. E demoraram quase um mês pra pagar. Mas muita gente até hoje não recebeu e há muita dificuldade. O governo não queria pagar e está atrasando mesmo”, critica a economista. “Esse governo não quer manter as pessoas em casa, toda base bolsonarista está chamando as pessoas para trabalhar. A orientação do governo não é resolver o problema da população que precisa ficar em casa e não tem renda.”
Tereza Campello diz que, diante de um governo irresponsável, é preciso ter um plano. “Esse governo está lavando as mãos. Foi forçado a pagar esses 600 reais e acha que tudo está resolvido. Mas não está. Temos um leque enorme de alternativas e têm de ser implementadas. Como manter o resto do país, a agricultura familiar? O meio rural começa a ficar em risco.”
E destaca que o caos só não é pior graças ao que já existia em funcionamento e ainda não foi destruído no país. “O pouco que está funcionando é porque ainda existe o SUS, a Caixa Federal, que eles queriam ter privatizado, o SUAS (sistema de assistência socia)l, o cadastro único que nós deixamos prontos. O que está funcionando é o que existia e se fosse por eles já teria terminado. Não podemos deixar privatizar a Caixa, temos de garantir o SUS funcionando”, alerta.
A situação do país em meio à pandemia do coronavírus é a cada dia mais caótica. O presidente Jair Bolsonaro permanece concentrado na demissão de ministros, enquanto o número de doentes e mortos aumenta todos os dias.
Para os moradores das áreas periféricas é ainda mais grave, já que o auxílio emergencial não chega para todos e as famílias vivem em cômodos pequenos, em aglomeração. “O dado real é que efetivamente esses R$ 600 reais não chegou pra todo mundo. Moro no Jardim Monte Azul, zona sul de São Paulo, Juntamos algumas lideranças aqui da região e criamos um comitê popular de acompanhamento. Temos nos deparado com muitas situações”, relata Claudinho Silva, lembrando que são muitos os cidadãos que não têm documentos e agora não conseguem acessar os serviços que estão todos fechados. Portanto, não recebem o auxílio. “A situação na periferia é muito triste e, se a gente pensar adiante, é de desesperar. Tem mulheres com seis filhos, sem emprego, era diarista, cuidadora e não pode mais ir trabalhar.”
Junto a outros integrantes do Comitê, lideranças de vários bairros da região, Claudinho tem feito uma série de ações de solidariedade para ajudar quem mais precisa. “Quando a gente se viu nessa situação de ter de ficar todo mundo em casa, sem ter condição pra isso, resolvemos nos juntar pra poder de alguma forma oferecer algum caminho de amparo pra essas pessoas. Temos feito materiais de divulgação para as pessoas se protegerem mais. Fazemos também ação de busca de alimentação para essas pessoas. Hoje estamos entregando 350 cestas básicas para famílias aqui: 70% desempregadas, 80% lideradas por mulheres. Uma situação de emergência alimentar. Vamos à farmácia, UBS para buscar remédio, supermercado.”
Para Tereza Campello, a grande questão é a pessoa ter o direito de ficar em casa. “Lembrando que tudo que o governo fala só serve para a classe média: ficar em casa, passar álcool gel, a questão do espaço. Precisamos orientar a população pobre que está desesperada porque ainda não recebeu nada”, afirma.
Claudinho conta que há coisas que assustam. “Estamos no aguardo de uma medida que considere favelas e aglomerados urbanos nas políticas de combate à covid-19. Tem gente que mora num cômodo só. Como vamos enfrentar isso, o poder público vai enfrentar como? É um apelo que eu faço a parlamentares, prefeitos, governadores, principalmente os de esquerda, porque a direita não está pensando nisso. Só pensa em abrir comércio, bancos, e a gente está aqui tentando preservar vidas.”
E avisa: a periferia não vai assistir de braços cruzados o efeito do coronavírus, que vai ser devastador. “A gente precisa agir e colaborar para que a informação que a gente tem chegue a outras pessoas. É muito triste assistir nosso governo que não fala em negociar com os movimentos sociais. Fala até em negociar com milícia, mas ignora os movimentos sociais. Temos CEUs, casas de cultura, que poderiam servir para ajudar a desaglomerar as pessoas.”
Tereza Campello, que hoje vive na Inglaterra, relatou que lá as pessoas recebem algo em torno de R$ 6 mil para passar pela pandemia com alguma tranquilidade. “Era o momento de dar crédito e confiar na população pobre”, avalia a economista, sobre a imensa burocracia a entravar o pagamento do auxílio emergencial . “Tem de pagar, as pessoas estão passando fome. A diarista, o autônomo que vendia comida no ponto de ônibus, essas pessoas não podem sair de casa. O trabalhador não pode sair de casa.”
A ex-ministra conta que um outro projeto foi apresentado para auxiliar os trabalhadores assalariados. “Mas o governo apresentou projeto para reduzir salário e jornada. Que loucura é essa? A pessoa tem de ficar em casa. Se pegar ônibus, metrô, já pode estar se infectando. Apresentamos outro projeto para o governo pagar os salários de quem ganha até três mínimos. E a empresa paga a diferença de quem ganha mais. É uma proposta para garantir o pagamento dos salários e para garantir crédito muito facilitado a essas empresas, para não demitirem ninguém”, destaca.
“O dinheiro para os bancos saiu na mesma hora” critica Tereza Campello, a respeito do R$ 1,2 trilhão colocado à disposição dos bancos pelo governo Bolsonaro. “Claro que tem de manter a economia viva, mas não dá pra ter tudo para os bancos e nada para a população”, disse, lembrando que o que será gasto com a renda emergencial chega a 30 bilhões por mês. “E um trilhão para os bancos, enquanto para o SUS e para a população se fala em bilhões só.”
Parafraseando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-ministra salientou que o dinheiro que vai para as mãos de uma mãe de família vai virar comida. “E não é importante só pra família, mas para manter a economia funcionando. O que está funcionando é isso, farmácia, alimentação. Se a gente conseguir, o Brasil vai um pouco menos para o buraco. Governo não está ajudando essas três frentes: o informal, o assalariado que está sendo jogado no desemprego que só cresce, e o micro e pequeno empresário”, lamenta. “Tem gente dizendo que quer abrir porque está vendo sua empresa quebrar. O que está sendo colocado para o país é como estaremos em três ou quatro meses quando isso começar a passar. A hora é de gastar e depois vemos como fazer com a conta, se não, não vai ter depois.”
Confira o vídeo: