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Trabalhador rural tem direito a indenização por trabalhar no sol sem intervalo

Por unanimidade, Tribunal Superior do Trabalho condena empresa que não garantiu a um cortador de cana os descansos para se recuperar de exposição ao calor nem mesmo o pagamento de adicional de insalubridade

Publicado: 22 Novembro, 2018 - 17h24 | Última modificação: 22 Novembro, 2018 - 17h52

Escrito por: Tatiana Melim

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Joselino Joaquim da Silva, 56, trabalhava cortando cana sob um sol de até 30ºC em safras e entressafras na cidade de Adelândia, em Goiás. Ele chegava à lavoura antes das 8h e encerrava as tarefas às 16h, passando boa parte da jornada de trabalho debaixo de um sol escaldante. Apesar de a legislação garantir um adicional de insalubridade e intervalos de 30 minutos a cada meia hora de serviço pesado em lugares com temperatura entre 26ºC e 28ºC, o trabalhador nunca desfrutou desses direitos.

O trabalhador recorreu à Justiça do Trabalho para pedir que a empresa Anicuns Álcool e Derivados pagasse todos os seus direitos: adicional de insalubridade e horas extras referentes aos períodos de descanso não concedidos pela empresa, conforme estabelece o Anexo III da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho

Em decisão unânime, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Anicuns a pagar ao trabalhador uma indenização que pode chegar a R$ 50 mil. A vitória de Joselino pode ajudar centenas de trabalhadores e trabalhadoras que tiveram a saúde comprometida por exposição prolongada ao sol a receber indenizações. Isso porque os tribunais regionais podem usar a interpretação do TST como base para tomar decisões em ações idênticas.

A secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, comemora a vitória do trabalhador. Segundo ela, essa decisão do TST pode ajudar tanto os trabalhadores rurais que são expostos ao sol quanto a outras situações de insalubridade características do trabalho no campo.

“Os rurais estão expostos, na sua maioria, a produtos que fazem mal à saúde, como os agrotóxicos, a “ataques” de animais peçonhentos, além do risco de ter câncer de pele, de sofrer com a desidratação e outros problemas de saúde devido à exposição excessiva ao sol”.

Segundo a dirigente, apesar de a reforma Trabalhista do ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP) impor um distanciamento entre a Justiça do Trabalho e os trabalhadores e trabalhadoras, “percebemos que é possível, sim, ganharmos ações trabalhistas e fazer com que as leis e normas técnicas sejam devidamente aplicadas”.

De acordo com Madalena, essas normas regulamentadoras [NR’s], que regulam questões relativas à saúde e segurança do trabalho, são construídas e aprovadas em um espaço tripartite, com a participação dos trabalhadores, empregadores e governo.

“Por isso, os empresários devem cumprir, no mínimo, o que prevê a norma, pois as obrigações ali são fruto de um longo debate que tem como objetivo proteger a vida e garantir a saúde e segurança dos trabalhadores”.

Decisões como essa nos dá animo para continuar lutando e defendendo os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras
- Madalena Margarida da Silva

Histórico do caso

Na contestação apresentada à Vara do Trabalho de Inhumas (GO), a empresa Anicuns alegou que a NR 15 não se aplica às atividades de corte manual de cana-de-açúcar nem contempla atividades insalubres a céu aberto, e afirmou que fornecia os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que afastam os agentes insalubres.

Na decisão em primeira instância, o juiz condenou a empresa a pagar 20% sobre o salário do trabalhador como adicional de insalubridade e determinou ainda o pagamento de 3h30min diários de hora extra pela não concessão dos intervalos para recuperação térmica. A decisão foi tomada com base no laudo pericial, que comprovou que o trabalhador chegou a cortar cana sob temperaturas que chegavam a 30ºC.

No julgamento do recurso em segunda instância, no entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) entendeu que a NR 15 não prevê o direito aos intervalos para recuperação térmica. Com isso, excluiu da condenação o pagamento das horas extras.

A decisão foi reformada, por unanimidade, pelo Tribunal Superior do Trabalho. Segundo o relator do caso, ministro Alberto Bresciani, o trabalho realizado além dos níveis de tolerância ao calor gera o direito não apenas ao adicional de insalubridade, mas também aos intervalos para recuperação térmica previstos pelo Ministério do Trabalho na NR 15.

O ministro ressaltou também que a NR 31, que trata do trabalho na agricultura, na pecuária, na silvicultura, na exploração florestal e na aquicultura, prevê, entre outras medidas de segurança e higiene, a concessão de pausas para descanso em atividades realizadas necessariamente em pé e que exijam  sobrecarga  muscular, como é o caso do corte de cana. Essas pausas, segundo o relator, integram a jornada de trabalho.