Trabalhadoras domésticas são resgatadas de trabalho escravo no RN, PB e RS
Quatro trabalhadoras domésticas, duas no Rio Grande do Norte, uma na Paraíba e outra no Rio Grande do Sul, foram resgatadas este ano em situação análoga à escravidão
Publicado: 07 Fevereiro, 2022 - 08h30 | Última modificação: 07 Fevereiro, 2022 - 08h47
Escrito por: Redação CUT/Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz
De 2017 a 2021, 38 trabalhadoras domésticas foram resgatadas de trabalhos escravos no Brasil. O caso que chamou mais atenção, descoberto no ano passado, foi o de Madalena Gordiano, uma mulher negra, escravizada desde os 8 anos de idade, em Patos de Minas, em Minas Gerais, por quase 40 anos.
Amaioria das vítimas é formada, especialmente por pobres, mulheres vem situação de vulnerabilidade social e pretas, como Madalena. Este ano, em pouco mais de um mês, foram resgatadas do trabalho escravo doméstico mulheres como ela na Paraíba (PB), Rio Grande do Norte (RN) e Rio Grande do Sul (RS).
Nas cidades de Mossoró (RN) e na capital do estado, Natal, os resgates foram realizados no dia 26 de janeiro.
O resgate em Mossoró ocorreu após a constatação de trabalhos forçados, condições degradantes, jornadas exaustivas e restrição de liberdade. De acordo com o relatório da ação, a vítima foi morar e trabalhar na residência da família há 32 anos, quando tinha apenas 16 anos de idade, o que está em desacordo com a legislação brasileira, que proíbe o trabalho infantil doméstico, listado como uma das piores formas de trabalho infantil pelo Decreto nº 6.481/2008.
A equipe de fiscalização constatou que ela não tinha vínculo de emprego na carteira de trabalho, nunca recebeu salários, não gozou de férias, trabalhava regularmente aos finais de semana e não teve o FGTS recolhido.
“No caso de Mossoró, além de maus tratos houve ainda o assédio sexual [a suspeita de violência pesa contra o pastor da Assembleia de Deus, Geraldo Braga da Cunha], o que torna as condições ainda mais indignas. Psicologicamente eram situações muito degradantes", afirmou a procuradora Cecília Amália Santos, do Ministério Público do Trabalho (MPT), que participou da operação no Rio Grande do Norte.
No resgate realizado em Natal, a equipe constatou que a empregada doméstica trabalhava havia cinco anos na residência, de segunda-feira a domingo, ficando à disposição da empregadora 24 horas por dia e descansando apenas a cada 15 dias. Ela nunca teve férias e trabalhava normalmente nos feriados. A trabalhadora dormia no quarto da empregadora, num colchão no chão. Também estava sem registro em carteira de trabalho, recebendo um salário de R$ 500 por mês (o salário mínimo no país é de R$ 1.212). Todos os seus pertences ficavam dentro de uma mochila.
Sobre o caso em Natal, a procurada explicou que “além da exploração irregular do trabalho, a trabalhadora sofria maus tratos, ameaças, abusos e excesso de poder disciplinar”.
Resgastes na PB e RS
Os resgates em Campina Grande (PB) e Campo Bom (RS), foram feitos na última quinta-feira (3). Na Paraíba, a vítima, de 57 anos, além de trabalhar durante 40 anos, das sete da manhã até às onze da noite, era responsável por aproximadamente cem cães adotados pela família, distribuídos entre um canil e os cômodos da residência impregnados com cheiro de vômito, fezes e urina. Ela recebeu a promessa de que seria adotada pela família, o que nunca ocorreu.
"A situação encontrada na casa era de total indignidade, não só pelas condições degradantes de trabalho e alojamento, mas, principalmente, por toda a prisão psicológica que fez com que a trabalhadora permanecesse naquele local", afirma a auditora-fiscal do Trabalho Lidiane Barros, que coordenou a ação na Paraíba.
Em Campo Bom (RS), a vítima, uma mulher de 55 anos com deficiência intelectual, foi resgatada após 40 anos trabalhando sem salário e sob xingamentos, agressões físicas e ameaças, dentro de casa e na frente dos vizinhos, de acordo com a investigação.
Indenização
Nos casos de Campo Bom e Campinas Grande, os nomes dos patrões não foram divulgados. Eles devem ser acionados na Justiça para pagamento de salários atrasados e verbas rescisórias.
As duas vítimas de trabalho escravo foram levadas para caso de familiares, onde vão receber apoio psicológico.
Os empregadores no Rio Grande do Norte foram notificados, após o resgate, a regularizar o vínculo de emprego com as trabalhadoras e a quitar suas verbas rescisórias, recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas em lei. As empregadas domésticas resgatadas têm direito ao recebimento de três parcelas do Seguro-Desemprego Especial do Trabalhador Resgatado e foram encaminhadas ao Centro de Referência da Mulher para atendimento prioritário a mulheres vítimas de violência doméstica, nos termos da Lei Complementar nº 150/2015 e da Lei Maria da Penha.
Resgastes de trabalhadoras domésticas
Dados do ministério do Trabalho mostram que, entre 2017 e 2021, 38 mulheres descritas como empregadas domésticas foram resgatadas no país, em operações semelhantes. Em alguns desses casos, também havia indícios de abuso sexual.
Trabalho escravo invisibilizado
A procuradora Cecília Santos, alerta que o trabalho doméstico análogo ao de escravo é invisibilizado porque é normalizado, de uma cultura patriarcal que diz que a atividade de cuidado não merece remuneração, o que não é verdade.
“Infelizmente ainda é muito comum que famílias peguem meninas no início da adolescência para criar, em troca de oferecimento de estudos. Só que essa oportunidade de estudo nunca vem e essas meninas acabam ficando para sempre cuidando daquela família, exercendo atividades de cuidado, todos os dias, sem controle de jornada, sem finais de semana, férias ou recebimento de salário. Isso durante décadas”, pontua a procuradora Cecília Santos.
De acordo com ela, essas mulheres também perderam o direito à socialização e à educação e continuaram analfabetas. "É um dano existencial, que vai além do dano moral; aquilo que foi perdido durante a adolescência e a juventude não é possível ter de volta. Por mais que consigamos indenizar essas trabalhadoras, o tempo de vida não tem como ser compensado", explica.
*Com informações da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e Folha de SP