Escrito por: Andre Accarini e Marize Muniz
Entrega de hospitais e unidades de saúde para Organizações Sociais precariza o trabalho dos profissionais da saúde e o atendimento à população. Só quem ganha é a terceirizada
Em plena pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 110 mil brasileiros, além de estar na linha de frente do combate para impedir a disseminação do vírus e salvar vidas, trabalhadores e trabalhadoras da saúde do Brasil lutam contra a terceirização que precariza o trabalho e o atendimento à população.
A categoria protesta contra a entrega de hospitais públicos e unidades de atendimento às Organizações Sociais (OS), entidades privadas que, supostamente, não podem ter fins lucrativos, mas, na prática, funcionam como empresas terceirizadas que visam o lucro.
As experiências têm mostrado que transferir a gestão de hospitais públicos para as OS, é algo ”não republicano”. Há denúncias de desvios de recursos, restrição de atendimento nãos pacientes, transferência de trabalhadores concursados para outras unidades, contratação de terceirizados, nem sempre com a mesma experiência de trabalhadores especializados, concursados, pontuam o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) e presidente da CUT-RJ, Sandro Cezar, e a Secretária Geral da CNTSS e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores na Saúde Pública do Estado de SP (Sindsaúde-S), Célia Regina Costa.
“O estado não abre concurso, não contrata e não administra esses hospitais. Apenas repassa recursos para as unidades, que vão contratar e administrar os trabalhadores, que não terão estabilidade, nem plano de carreira. Ele será um trabalhador comum, como na iniciativa privada, mas em um hospital público”, diz Célia.
A população usuária pode até achar que não tem diferença entre uma OS e um hospital público gerenciado pelo estado ou pela prefeitura até a hora em que precisa de um atendimento de urgência e se depara com as restrições impostas pelos gestores das OSs. Uma delas é que antes de ser encaminhado a um hospital, o paciente deverá antes passar por uma Unidade Básica de Saúde (UBS).
Uma vítima de acidente não poderá ser atendida em um hospital com restrição de atendimento sem antes passar por uma unidade do Samu, por exemplo.
Recentemente a jovem Vitória Maria Aparecida da Silva, 18 anos, foi atropelada em frente à Santa Casa de Mauá e o hospital não prestou socorro. Ela foi atendida pelo Corpo de Bombeiros meia hora depois de ficar jogada na via pública. Só depois, a jovem foi atendida no Hospital Santa Helena.
Um dos principais argumentos usado por governadores e prefeitos, como os de São Paulo, João Doria (PSDB) e Bruno Covas (PSSBD), respectivamente, para entregar hospitais às OS, é de que a lei de responsabilidade fiscal é um entrave para a gestão das unidades.
Eles dizem que não podem ultrapassar o orçamento da lei, com folha de pagamento e, por isso, a alternativa é transferir a gestão para as organizações, diz Célia Regina Costa, acrescentando que “a partir desse momento, não há limites de valores para os recursos”.
Segundo ela, é uma porta aberta para irregularidades como desvios de dinheiro, o que foi, inclusive, apurado em 2018, pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Sandro Cezar complementa, afirmando que a pandemia do novo coronavírus evidenciou esses casos. Um deles é um escândalo que pode até resultar no impeachment do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). O Instituto de Atenção Básica à Saúde (IABAS), uma OS, está sendo investigada por desvio de recursos destinados à construção de hospitais de campanha no estado.
“Eles levaram quase R$ 1 bilhão para construir oito hospitais de campanha e só dois foram entregues”, lembra Sandro Cezar, questionando o destino do restante do dinheiro público destinado às ações de combate à Covid-19 no Rio de Janeiro.
Os desvios são possíveis já que não há um controle social sobre os recursos, que é público, diz Célia Regina. Segundo ela, “os conselhos municipais e estaduais de saúde não discutem a gestão das unidades, que de fato, fica a cargo somente dos administradores. E também não há conselhos gestores, formados com participação da sociedade e dos trabalhadores para controlar os recursos”.
Sandro Cezar, presidente da CNTSS, ressalta o fato de que os serviços não melhoram para a sociedade, que a utilização dessas estruturas não mudou e não dinamizou em nada o atendimento às pessoas. “Eles dizem que com as OSs há mais ofertas serviços e isso não acontece”.
Na Espanha, lembra o dirigente, para enfrentar a pandemia do novo coronavírus com maior controle do Estado, e proteger vidas, o governo estatizou todo o sistema de saúde privada, bem diferente do que vem ocorrendo no Brasil, diz o dirigente.
Em 1995, o então ministro do governo de Fernando Henrique Cardoso, Bresser Pereira, implantou a “Reforma Gerencial do Estado”, que propunha mudanças em áreas como educação e saúde e neste setor, uma das propostas era a entrega das gestões às Organizações Sociais de Saúde.
Sandro Cezar lembra que até mesmo Bresser, recentemente, criticou o sistema pela ineficiência e necessidade de maior controle do Estado nas gestões.
Em São Paulo, a transferência de gestão para às OS acontece desde 1998, quando o governador ainda era Mario Covas (PSDB). A implantação começou apenas com hospitais que estavam sendo construídos e futuras unidades.
Mas com o passar dos tempos, o processo se estendeu a unidades que já estavam prontas e em funcionamento. Celia, lembra que governos tucanos posteriores como o de Geraldo Alckmin e agora, João Dória, tem acelerado a entrega. “E no meio da pandemia, escancarou ainda mais”, diz Célia.
Tanto para Celia como para Sandro Cézar, a luta pela valorização e pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) é o caminho principal na batalha contra as terceirizações de unidades para as OS e para proteger os trabalhadores e seus direitos.
“Para reverter esse processo perverso é necessário fortalecer o SUS e a pandemia do coronavírus nos mostra isso. Saúde pública de qualidade é fundamental”, diz Sandro Cezar.
Celia Regina ainda afirma que os sindicatos de servidores públicos e da saúde têm atuado no sentido de proteger, além os trabalhadores concursados, os profissionais contratados diretamente, que muitas vezes não tem representação.
Célia diz que “como o dinheiro desses hospitais é público, nada mais justo do que defender esses trabalhadores para garantir seus direitos”.