Trabalhadores não podem pagar a conta do ajuste fiscal, diz secretário da CUT
Para Ariovaldo de Camargo, a conta do ajuste fiscal deve ser paga pelos rentistas e os mais ricos, e não retirando direitos da classe trabalhadora
Publicado: 18 Dezembro, 2024 - 13h52 | Última modificação: 18 Dezembro, 2024 - 19h21
Escrito por: Rosely Rocha
O Plenário da Câmara dos Deputados tem sessão marcada para esta quarta-feira (18), a partir das 14 horas, para concluir a votação das emendas apresentadas ao projeto do ajuste fiscal com novo limite de gastos em caso de déficit nas contas públicas.
No pacote do governo estão incluídas mudanças nos critérios do reajuste do salário mínimo, de concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do abono salarial, entre outras medidas, para equilibrar as contas públicas. Veja mais abaixo o que diz o pacote fiscal.
Essas medidas que afetam diretamente o trabalhador e a trabalhadora são criticadas pelo secretário de Administração e Finanças da CUT, Ariovaldo de Camargo.
Para ele, o ajuste fiscal deve ser feito em cima da taxação das grandes fortunas, do fim da desoneração da folha de pagamento dos 17 setores, que vai até 2027, entre outras medidas, que façam com que quem ganha mais, pague mais e quem ganha menos, pague menos.
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Segundo Ariovaldo de Camargo, não é justo que a classe trabalhadora seja sempre a mais atingida para que o país equilibre as contas públicas, favorecendo os rentistas e os especuladores. Ele também convoca os trabalhadores e trabalhadoras a se unirem na luta contra a retirada de direitos, valorizando e participando da luta do seu sindicato. Confira a entrevista.
Como a CUT se posiciona diante do pacote fiscal?
Ariovaldo de Camargo - Reprovamos os pontos que tratam de restrições, de algo que avançamos ao longo do tempo e que agora parecem pra nós um retrocesso, que é a questão BPC, mexer com a questão do abono salarial, mexer com a política de reajuste do salário mínimo com ganho real, fixando o teto em 2,5% quando o país tá crescendo 3% a 3,5%, que é a regra que está valendo até hoje, que foi uma conquista das centrais sindicais no ano passado na negociação com o governo. Então, essas questões precisam ser retiradas do pacote.
Então, quem deve pagar essa conta?
Ariovaldo de Camargo - Não dá pra pedir pra que os trabalhadores mais vulneráveis, os que têm os menores salários e aqueles que por algum motivo estão abrangidos pelo BPC sejam penalizados ou paguem uma conta que, na nossa opinião, tem que ser daqueles, que são os que investem no mercado financeiro e rentistas em geral.
E de que forma eles pagariam essa conta?
Ariovaldo de Camargo – Tributando a transmissão de bens, grandes fortunas e tudo mais porque nós precisamos ter no mínimo justiça social. Para se ter justiça social não dá para pedir para aqueles que têm as menores remunerações, os menores benefícios sejam incluídos nessa conta a ser paga.
Por um lado, o mercado financeiro quer o ajuste fiscal, por outro lado, apoia o aumento da taxa de juros, que fará com que o governo tenha aumentada a sua dívida em pelo menos R$ 70 bilhões, e ainda especula com a disparada do dólar que pode gerar inflação. Isso não é uma incoerência?
Ariovaldo de Camargo Essa é a questão principal. O mercado financeiro não abre mão de que os juros remunerem as suas aplicações, não abrem mão de que a Selic venha a ser pressionada para que suba e para que o pagamento dos juros da dívida do Governo Federal, dos governos estaduais seja aumentado. Evidentemente que o mercado financeiro está aí para isso, para pressionar o governo no sentido de não abrir mão das suas benesses, podemos assim dizer para que não mexa no lucro deles. Eles querem que em algum lugar tenha corte e sempre querem colocar o corte para o conjunto dos trabalhadores que são beneficiários de políticas sociais, de que o salário mínimo não tenha ganho real na política de valorização e recuperação.
Um exemplo disso foi o fato de que na aprovação do texto sobre reforma tributária sobre o consumo, parlamentares da extrema direita, como Flavio Bolsonaro e Nicolas Ferreira, votaram contra o fim dos impostos nos produtos da cesta básica, mas aprovaram a isenção para a compra de armas, não?
Ariovaldo de Camargo – Exatamente. Sempre diz respeito à tributação, por exemplo, de cesta básica e outros elementos, como não abrir mão da desoneração da folha, dos subsídios do governo. Mas querem que aqueles que são beneficiados pelas políticas sociais paguem essa conta, o que nós não concordamos.
Lamentavelmente é a visão política que foi derrotada na eleição de 2022. Nós queremos que seja colocada em prática aquela proposta vencedora em outubro de 2022, que diz mais para o social e menos para o rentismo, menos para as grandes corporações no sentido de que se alguém tem que pagar a conta não seja quem está nas piores condições da sociedade brasileira, não pode ser o trabalhador de baixa renda.
E obviamente que o Flávio Bolsonaro, os bolsonaristas em geral, para eles o que importa é o grande capital, porque eles são representações deste setor, como o agronegócio. Essa questão das armas é muito delicada porque, de fato, o que eles quiseram ao longo do tempo foi armar os seus para quem sabe um dia pudessem se utilizar, inclusive, disso na tentativa de golpe que tentaram dar em 8 de janeiro, em que defendiam um projeto político de governo não democrático.
Estamos diante de um Congresso muito conservador, formado, em grande parte, também por empresários. Então, como a CUT tem trabalhado para evitar essas perdas que podem ocorrer com o pacote fiscal?
Ariovaldo de Camargo - Neste momento nós não temos outra coisa a fazer que não seja conversar com os líderes partidários dentro do Congresso Nacional até porque ninguém faz mobilização a uma semana do Natal, no sentido de colocar gente na rua e tudo mais.
A CUT vai fazer, portanto, o seu papel institucional que é conversar com as lideranças, com o próprio governo, conversar com o ministro Fernando Haddad. Esses recuos de direitos que foram alcançados ao longo dos últimos anos dentro do governo democrata do presidente Lula não podem ser atacados por essa reforma. E tentar de agora até o final dessa semana, que o Congresso possa sim debater essas questões, mas não permitir que ataque direitos dos trabalhadores. Essa é a ação que nós vamos desenvolver daqui até o último minuto na tentativa de não prejudicar o conjunto daqueles que nós representamos que são os trabalhadores.
E obviamente trazer esse debate da questão tributária também, porque nós estamos discutindo um pacote de medidas que não é só a questão do equilíbrio fiscal, mas um pacote de medidas que se possa ter uma tributação justa, que se taxe os super ricos, que a isenção da tabela do imposto de renda até R$ 5 mil, como o presidente Lula, prometeu em campanha. São essas medidas que permitirão ao governo olhar para o social mais do que olha para o capital.
De que forma o trabalhador pode ajudar a evitar retrocessos em seus direitos?
Ariovaldo de Camargo- Que ele lute, que vá à luta, que compareça a possíveis manifestações, que pressione o Congresso. Nós reconhecemos que esse ano foi muito difícil, um ano muito duro, e que nós vamos entrar em 2025 já olhando pra 2026. Portanto, é um período em que já se começa a desenhar um pouco do futuro do país suas eleições de 2026.
Então, o recado principal é: continue a desenvolver a sua vida profissional, seu trabalho da melhor forma possível e procure o seu sindicato e se aproprie do que tá sendo discutido dentro da sua categoria profissional. Mas, mais do que isso, esteja sempre atento às convocações que os sindicatos e as centrais sindicais farão certamente no ano que vem, numa perspectiva de organizar o conjunto da classe trabalhadora para que a gente possa superar adversidades, muitas vezes, colocadas da noite pro dia, por parte do parlamento brasileiro, e que nós não podemos deixar que isso aconteça.
Procurem o seu sindicato, o fortaleça, acredite no seu sindicato, acredite na luta pra que a gente possa ter um sindicato forte. 2025 será de muita luta e, obviamente espero que estejamos juntos para que possamos concluir uma etapa, que é a de vencer o retrocesso, que foram os seis anos depois do golpe, e reconstruir o Brasil com unidade do conjunto dos trabalhadores
O pacote fiscal
* da Agência Brasil
O pacote de corte de gastos obrigatórios estima, segundo a equipe econômica do governo, uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos (R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026). A equipe econômica disse que o pacote fiscal tem impacto de R$ 327 bilhões de 2025 a 2030.
Entre os principais pontos da proposta de contenção de gastos estão a redução a médio prazo do abono salarial e um teto no reajuste do salário mínimo. Para distribuir o impacto dos cortes aos mais ricos, o governo propõe acabar com brechas que burlam o teto dos supersalários no serviço público e reformar a previdência dos militares.
O pacote também prevê a limitação na concessão de benefícios fiscais enquanto as contas do governo estiverem deficitárias e um teto no crescimento das emendas parlamentares. Para reduzir o impacto político dos cortes de gastos obrigatórios, o governo enviará proposta para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, em troca de uma alíquota efetiva de 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês.
As mudanças no IR, informou o governo, terão impacto zero nas contas públicas e antecipam a segunda fase da reforma tributária, que trata da cobrança de Imposto de Renda. Confira as medidas enviadas pelo governo ao Congresso Nacional.
Imposto de Renda
Elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. A medida cumpre promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Atualmente, não paga IR quem ganha até R$ 2.259,20 mensais.
Para evitar impactos brutos para quem ganha a partir de R$ 5.001 por mês, haverá uma progressão. Quem ganha até R$ 7,5 mil mensais vai ter de pagar IR, mas será beneficiado com a isenção dos R$ 5 mil iniciais. Quem recebe a partir de R$ 7,5 mil terá a isenção limitada a até dois salários mínimos, como ocorre atualmente.
Essa medida tem impacto de R$ 35 bilhões por ano na arrecadação federal. Com a tramitação da segunda fase da reforma tributária ao longo do próximo ano, a tendência é que a mudança só entre em vigor em 2026.
Aumento de imposto para ricos
Para financiar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo pretende introduzir uma alíquota efetiva de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. A medida pretende fazer que pague mais tributos quem se aproveita da “pejotização”, conversão rendimentos de pessoas físicas em rendimentos de empresas.
Nada muda para quem trabalha com carteira assinada e recebe mais de R$ 50 mil porque essas pessoas já pagam alíquota de 27,5%. Atualmente, segundo o governo, o 1% mais rico da população paga alíquota efetiva de 4,2% de Imposto de Renda. Para o 0,01% mais rico, a alíquota efetiva é 1,75%.
Isenção de IR por problemas de saúde
Isenção de Imposto de Renda por problemas de saúde valerá apenas para quem ganha até R$ 20 mil por mês. Dedução de 100% de gastos com saúde não mudará. Junto com aumento de imposto para ricos, medida garantirá os R$ 35 bilhões para bancar o aumento da isenção do IR.
Salário mínimo
Desde 2023, o salário mínimo é corrigido pela inflação do ano anterior, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país) de dois anos anteriores.
A proposta mantém a parcela de crescimento pelo PIB, mas a variação real estará nos limites do arcabouço fiscal, 2,5% acima da inflação do ano anterior. Para 2025, o salário mínimo subirá 2,9% acima da inflação, o equivalente ao crescimento da economia de 2023. Com a limitação, o salário mínimo ficará em R$ 1.515 em 2025, R$ 6 a menos que a atual regra.
Nos anos em que o PIB encolher, o salário mínimo subirá pelo menos 0,6% acima da inflação, equivalente ao piso da variação de gastos do arcabouço fiscal.
Abono salarial
Benefício que equivale a um 14º salário para quem ganha até dois salários mínimos (atualmente em R$ 2.824) com carteira assinada, o abono salarial terá a correção mudada. O valor de até R$ 2.640 será corrigido pela inflação nos próximos anos, em vez de seguir a política de valorização do salário mínimo.
Com o abono salarial subindo menos que o salário mínimo, o governo prevê que o benefício equivalerá a um salário e meio a partir de 2035. A mudança será discutida em proposta de emenda à Constituição.
Previdência dos militares
▪ Fim da morte ficta, quando a família de um militar expulso das Forças Armadas recebe pensão como se ele tivesse morrido. Família receberá auxílio-reclusão, pago pelo Instituto Nacional de Seguro Social a parentes de presos;
▪ Padronização em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026. Atualmente, os militares da Aeronáutica e da Marinha pagam menos.
▪ Extingue a transferência cota de pensão, quando a parte de um dependente que morre migra para os demais membros da família, somando 100%;
▪ Estabelece progressivamente idade mínima para reserva remunerada, até chegar a 55 anos;
▪ Economia de R$ 2 bilhões por ano.
Supersalários
Lista de exceções ao teto remuneratório nacional passará a ser definida por lei complementar. Medida vale para todos os poderes e todas as esferas: federal, estadual e municipal.
Novo pente-fino
Novo pente-fino no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), salário mínimo pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. Medida também prevê endurecimento para acesso aos benefícios.
BPC
▪ Prova de vida anual, como para os aposentados, além de biometria e reconhecimento facial para a concessão do benefício;
▪ Focalizar em pessoas incapacitadas;
▪ Vedação de dedução de renda (para o enquadramento para receber o benefício) não prevista em lei;
▪ Renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes passam a contar para acesso;
▪ Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID);
▪ Biometria obrigatória para atualizações cadastrais;
▪ Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício
Bolsa Família
No Bolsa Família, governo pretende combater irregularidades nos pagamentos para beneficiários que declaram que moram sozinhos, os chamados unipessoais.
▪ Restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento;
▪ Inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita em domicílio obrigatoriamente;
▪ Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses;
▪ Biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral;
▪ Concessionárias de serviços públicos deverão disponibilizar informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamento de informações.
Emendas parlamentares
Projeto de lei complementar discutirá limitação do crescimento das emendas
▪ Limite de crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal, alinhado à lei sancionada nesta semana pelo presidente Lula;
▪ Restrição de emendas nas despesas discricionárias (não obrigatórias) do Poder Executivo;
▪ Vedação de crescimento real das emendas não impositivas, de modo que o montante total das emendas crescerá sempre abaixo do arcabouço;
▪ Destinação de 50% dos valores de emendas de comissão para o Sistema Único de Saúde (SUS). Para 2025, essas emendas estão previstas em R$ 11,5 bilhões;
▪ Bloqueio proporcional de emendas aos bloqueios do Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas (R$ 7,5 bi em 2025);
▪ A partir de 2026, limite para as emendas individuais e de bancadas estaduais deve seguir as regras do arcabouço fiscal, com alta real entra 0,6% e 2,5%;
▪ Emendas de comissão serão corrigidas apenas pela inflação a partir de 2026.
Isenções fiscais
Se houver déficit primário de 2025 em diante, no ano seguinte fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários.
Em 2023, incentivos fiscais somaram R$ 519 bilhões. Mecanismo de vedação havia sido sugerido pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Vital do Rêgo, no relatório sobre as contas do governo em 2023.
Gastos com pessoal
A partir de 2027, gatilho de reenquadramento vedará aumento real (acima da inflação) acima de 0,6%, se despesas discricionárias (não obrigatória) do governo caírem de um ano para o outro.
Novo Vale Gás e Pé-de-Meia
Gastos com programas serão inseridos no arcabouço fiscal. Pé-de-Meia passará para orçamento do Ministério da Educação, e Vale Gás, ao Ministério de Minas e Energia.
Educação em tempo integral
Até 20% do aporte da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) poderão ser empregados em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública.
Lei Aldir Blanc
Repasse anual de até R$ 3 bi aos entes continua, mas condicionado à execução dos recursos pelos no ano anterior. Medida provisória foi editada na última sexta-feira (22).
Concursos públicos
Escalonamento de provimentos e concursos em 2025, com meta de pelo menos R$ 1 bilhão de economia.
Subsídios e subvenções
Autorização para ajuste orçamentário em cerca de R$ 18 bilhões em subsídios e subvenções. Atualmente, o Banco Central manda a conta de alguns subsídios, como o Proagro, ao governo, sem limitação orçamentária. Com a proposta, governo só poderá gastar em subsídios o que estiver autorizado no orçamento.
Fundo Constitucional do Distrito Federal
Correção de recursos do fundo pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), igual ao Fundo de Desenvolvimento Regional criado pela reforma tributária.
Desvinculação de Receitas da União (DRU)
Prorrogação até 2032. A DRU permite que governo possa gastar livremente até 30% das receitas.
Criação de despesa
Novas despesas devem observar a variação da despesa anualizada limitada ao crescimento permitido pelo arcabouço.
Dever de execução
Revoga dever de execução do orçamento.