Transporte não é mercadoria. É direito de todos
Movimento sindical e movimentos sociais debatem propostas para o futuro dos transportes no Brasil, como política social e não apenas econômica
Publicado: 03 Setembro, 2018 - 15h27 | Última modificação: 04 Setembro, 2018 - 11h13
Escrito por: Andre Accarini
Pensar os transportes do Brasil como direito social e para o desenvolvimento econômico, sustentável e moderno foi a missão de representantes das entidades que integram a Frente Brasil Popular (FBP), como a CUT, no último sábado (1°), durante o Fórum Nacional de Transportes de Mobilidade Territorial e Logística. O grupo de trabalho (GT) responsável pelo tema, dentro do Projeto Brasil Popular, convidou especialistas no setor para subsidiar o debate e apresentar propostas.
O projeto, elaborado pela Frente, é constituído de mais de 30 temas e será entregue, em 2019, ao novo governo brasileiro.
No Brasil de hoje, o transporte rodoviário, tanto de passageiros, como de cargas (logística), impera sobre os demais modais. Segundo dados da Fundação Dom Cabral, 75% da produção do país passa pelas estradas brasileiras. Os transportes marítimos vêm em seguida com 9,2%. Transportes aéreos representam 5,8%. Ferroviários, 5,4%. Cabotagem e hidrovia são 3% e 0,7%, respectivamente.
Para Evaristo Almeida Prates dos Santos, que coordena o GT, é necessário pensar um Brasil a médio e longo prazo, e emergências de curto prazo, para que o país alcance uma infraestrutura de transportes compatível com a sociedade do século 21, igualitária, com distribuição de renda e democrática.
“O modo de fazer os deslocamentos de pessoas e mercadorias deve ser racional, o mais sustentável possível”, ele diz.
Evaristo classifica como desequilíbrio a concentração de transportes no modal rodoviário e afirma: “A gente precisa de trem, de hidrovia e outras formas de transportes que ofereçam alternativas econômicas, eficientes e sustentáveis tanto para empresas como para o povo”.
Maria Fumaça
A ferrovia, no passado, foi protagonista no setor de transportes. Até 1950, o Brasil andou nos trilhos, tanto urbanos, por meio de bondes, como no transporte de cargas. Evaristo avalia que as mudanças de acumulação econômica no processo capitalista relegaram a ferrovia ao segundo plano.
“A China constrói 3 mil km de ferrovia por ano. Outros países investem no transporte rápido sobre trilhos. O impacto ambiental é muito menor”, completa o especialista em transportes e mobilidade.
Evaristo acredita que o século 21 seja novamente do transporte sobre trilhos, porque, segundo ele, o modelo atual brasileiro vai contra tudo o que se fala sobre sustentabilidade.
“No Japão já existe o trem baseado na levitação magnética, que chega a 600km/h. A tecnologia avança em velocidade alta. Aqui, temos poucos trens de passageiros para transportes intermunicipais. E o trem é mais rápido que o automóvel”. Evaristo conta que em outros tempos, “era mais fácil ir de carro. Hoje, se você pega um trem em uma metrópole, você chega mais rápido do que por meio terrestre”.
A conclusão de Evaristo é de que quando a qualidade dos transportes é priorizada, melhora o nível de vida dos cidadãos. Um dos coordenadores da Central de Movimentos Populares (CMP), Benedito Roberto Barbosa (Dito), concorda. Ele aponta também que a falta de integração entre os modais de transportes, acentuam as dificuldades já vividas pelas populações mais pobres das cidades. Por isso, segundo ele, o transporte tem que ser pensando levando em consideração outros aspectos como habitação e saneamento.
“Trabalhadores sofrem com o alto custo, a qualidade ruim e a falta de integração de trânsito. Além disso, muitas vezes o transporte de ônibus não dialoga com trens e metrôs, o que dificulta a mobilidade, principalmente para quem tem baixa renda e mora longe do trabalho”, afirma Benedito.
Outros modais
Representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), Eduardo Guterra, que também é secretário adjunto de Organização e Política Sindical da CUT, o modelo neoliberal faz que com que os transportes sejam pensados sob a lógica do lucro das corporações e não como política social para o desenvolvimento não só econômico, mas social. E a classe trabalhadora é que deveria ser a prioridade, o foco de políticas públicas que incrementem o setor.
Ele exemplifica com a gestão nos portos brasileiros que passa por um processo de tentativa de privatização. O modelo portuário brasileiro é semelhante aos portos mais modernos do mundo. O Estado administra o território e as operações portuárias. Os investimentos em superestrutura são privados. “É como se fosse um condomínio, onde cada um cuida da administração de seu terminal, mas a gestão do porto é pública”.
Portaria privatizada
Eduardo Guterra faz a analogia para explicar: “O porto é uma fronteira do Brasil. Uma portaria, que se operar sob gestão privada, causa insegurança para soberania nacional”. Segundo o dirigente, o impacto não é só econômico. “Estamos falando em meio ambiente, saúde e segurança no trabalho, prostituição, tráfico de drogas e outros aspectos que estariam sob risco de o Estado perder totalmente o controle. Falamos de soberania”, diz Guterra. Ainda segundo o dirigente, o que falta para o Estado, na administração dos portos é o compromisso profissional e de conhecimento, assim como acontece em outros países, onde portos são referência.
Tem futuro?
Segundo o ex-secretário executivo do Ministério dos Transportes no Governo Lula, Kenji Kanashiro, o futuro dos transportes no Brasil depende de projetos que sejam elaborados a longo prazo, pensando na sociedade como um todo. A começar pelas tarifas cobradas.
No caso dos transportes rodoviários, basta trafegar por qualquer rodovia sob concessão para comprovar o alto preço dos pedágios. O mais caro do Brasil está no sistema Anchieta-Imigrantes, administrado pelo consórcio Ecovias, onde a tarifa é de R$ 26,20.
Kenji explica que atuação das concessionárias nas rodovias deveriam ter regulamentação mais severa do Estado. “Tem que ter algo para garantir o controle da prestação de serviço, o que não há com o golpista [e ilegítimo] Temer. O que há é uma entrega”.
Uma das propostas do Fórum de Transportes e Logística da Frente Brasil Popular é, justamente, um marco regulatório que controle o preço das tarifas modernize a aferição de preços. No Estado de São Paulo, por exemplo há uma forma ainda antiquada de se calcular a tarifa, que é feita por fotocélulas que controlam a passagem dos veículos. Os valores são definidos de acordo com o número de eixos.
A primeira rodovia a ter a cobrança em São Paulo foi a Anchieta, que liga São Paulo à Baixada Santista. Inaugurada em 1947 (pista norte) e 1953 (pista sul), a rodovia recebeu as primeiras cabines de em 1972. Em 1998, o então governador Mario Covas abriu a concessão para empresas privadas. O contrato firmado foi de 20 anos.
Quem dá mais gasto?
Um caminhão trucado (três eixos) danifica mais o pavimento do que uma carreta com três eixos e cavalo de dois eixos, que tem o peso mais distribuído, maior tração e por isso, desgasta menos o pavimento. “Isso não interessa ao concessionário que pode arrecadar mais da outra forma”, critica o ex-secretário.
“Uma coisa é termos um pagamento justo pelo investimento, mas a tarifa tem que estar também de acordo com a possibilidade do usuário. Em transportes de carga, a ideia é cobrar tarifas diferentes de acordo com o valor agregado dos produtos transportados”.
Ainda de acordo com Kenji, a proposta de cobrança de tarifa justa pode ser aplicada a todos os modais, não só o rodoviário. Inclusive para o cidadão. “Na maioria dos países do mundo, o usuário paga de 30 a 40% da tarifa. O Estado arca com o resto. Defendemos que haja subsidio”, completa.