Escrito por: Redação RBA

Tribunal Tiradentes condena práticas do Legislativo

IV Tribunal Tiradentes condenou a maioria dos parlamentares por 'práticas inaceitáveis'.

Reprodução TVT

O teatro Tucarena, da PUC-SP, sediou na noite de ontem (25),a quarta sessão da corte de julgamento histórico Tribunal Tiradentes. O evento, que teve sua primeira sessão em 1983, no Teatro Municipal da capital paulista, quando condenou simbolicamente a Lei de Segurança Nacional, realizou desta vez o julgamento de "práticas espúrias" do Poder Legislativo brasileiro. O tribunal é uma iniciativa da sociedade civil e tem apenas objetivos pedagógicos.

A sessão seguiu todo o rito protocolar: testemunhos, acusação, defesa, juri popular e sentença. Esta última, proferida pelo presidente da sessão, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e pró-reitor da PUC-SP, Antônio Carlos Malheiros.

Além de Malheiros, participaram, como testemunhas, os professores e economistas, Ladislau Dowbor e e Márcio Pochmann, da PUC-SP e Unicamp, respectivamente; e Alceu Luís Castilho, jornalista, autor do livro Partido da Terra - Como os políticos conquistam o território brasileiro (2012). O papel de acusador foi representado pelo biógrafo, político e jornalista do blog Nocaute, Fernando Morais. Na defesa, o arquiteto, político e ativista Francisco "Chico"Whitaker. O juri foi formado por Juliana Cintra, jornalista especialista em relações étnico-raciais; Cileda Perrela, professora da Faculdade Zumbi dos Palmares; Lira Alli, educadora e militante e pela cartunista Larte Coutinho.

Testemunhos

A primeira testemunha a expor fatos contra as "ações espúrias"das Casas Legislativas do país foi o professor Ladislau Dowbor. "O Congresso Nacional criou um sistema que trava e quebra a nação. Todo o esforço que se fez na direção de distribuição de renda, como o aumento do salário mínimo e todas as políticas sociais que permitiram um imenso avanço vem sendo sabotado pelo Congresso", disse, ao criticar medidas que fortalecem a lógica da desigualdade.

"Saíram hoje dados mostrando que temos seis bilionários que têm o mesmo dinheiro que a metade mais pobre deste país. Isso é um escândalo, uma vergonha. Não apenas ético, mas também político. É um absurdo econômico. Nenhuma sociedade funciona com tamanha desigualdade, por razões simples. A economia funciona a base de um processo econômico que satisfaz a maioria. A economia impulsiona quando se proporciona capacidade de compra para o grosso da população, isso estimula a demanda", explicou Dowbor.

A falta de controle do mercado financeiro, aliado ao sistema de financiamento de campanhas estimularam uma relação de dependência entre políticos e o setor privado. "Produto de um sistema eleitoral contaminado pelo sistema econômico, temos um parlamento cuja composição equivale à presença de um deputado vinculado aos trabalhadores para cada 12 vinculados ao poder econômico", disse o economista Pochmann.

"Se olharmos para a composição do povo brasileiro, temos um empresário para cada 40 trabalhadores. Temos um Parlamento com uma enorme desproporção em termos de representação entre trabalho e capital", completou Pochmann. Tais elementos levam o Congresso, de acordo com o economista, a atuar contra a maioria dos brasileiros. "Esse Parlamento foi capaz de conceber um golpe que tirou uma presidenta democraticamente eleita e possibilitou a ascensão de uma agenda que havia sido derrotada nas últimas quatro eleições presidenciais", disse ao fazer referência ao impeachment, no ano passado, da presidenta eleita em 2014, Dilma Rousseff (PT).

"Essa agenda anti-povo tem sido estabelecida por um conjunto de iniciativas legais como as reformas que contiveram os gastos por 20 anos em investimentos e gastos sociais, permitindo que houvesse um desembarque do povo do orçamento. Esse desembarque também se dá com a aprovação da terceirização e de uma nova lei do trabalho que representa um ataque profundo à leis estabelecidas em 1943", disse em referência às reformas conduzidas pelo presidente Michel Temer (PMDB), com aprovação do Congresso.

Libelo acusatório e defesa

Fernando Morais começou sua acusação ressaltando a importância do momento para a realização de mais uma edição do Tribunal Tiradentes. "Precisamos deixar claro que o Brasil exige de suas Forças Armadas que cumpram seu dever constitucional de guardiãs da legalidade democrática e ponto final. O golpismo militar pipoca nas tocas do golpismo", disse em referência às recentes manifestações de representantes do Exército cogitando a possibilidade de um golpe militar no país.

Diante de tal situação, Morais lembrou da importância do Congresso para a ordem democrática do país. "Temos um rosário de mazelas, de crimes e de deslizes cometidos no nosso Congresso. O essencial é deixar claro que a tarefa de acusador não tem relação com o Congresso como instituição. Aqui, não se julga a instituição, muito menos a atual legislação como um todo. Aqui mesmo, entre nós, temos ao menos dois congressistas que só tem feito honrar o mandato. Falo da deputada Luiza Erundina e do Ivan Valente (ambos do Psol-SP)."

Diante dos problemas da instituição, Morais apresentou a necessidade de uma reforma política, mas não deixou de lado o receio de tal alteração legal com o Congresso na atual configuração. "Uma reforma votada por este Congresso nos colocaria no risco que tais práticas espúrias fossem ainda mais alargadas. Mesmo que a atual correlação de forças não nos permita produzir remédios para as doenças, não vejo como não apontar para a única luz que é a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte específica (...) O pecado aqui é o sistema político. Os pecadores são centenas, são os componentes da tal maioria. Recomendo a condenação expressa do atual sistema político brasileiro e de seus métodos espúrios", concluiu.

Por sua vez, Whitaker se absteve de elaborar uma defesa convencional. Para ele, as evidências são "graves" e à ele coube defender apenas a importância do Poder Legislativo. "Constatamos a gravidade das consequências das práticas do Legislativo. Consequências de duas ordens: por meio dela estão sendo impostas ao país leis e emendas constitucionais inaceitáveis por serem prejudiciais ao povo brasileiro e à soberania nacional; em segundo lugar, as práticas estão destruindo o Legislativo, desacreditando o Congresso nacional e levando o povo a perder totalmente o respeito por ele", disse.

Juri e sentença

Cileda, a primeira jurada a usar o microfone do Tucarena, afirmou que os atos do Congresso sob interesse de uma minoria ligada ao setor financeiro é responsável pela "normalização das relações entre opressor e oprimido. Está tudo absolutamente natural e sem questionamentos. Uma das consequências disso é o processo de exclusão cuja população se vê submetida. Principalmente mulheres que acabam sendo as pessoas que sofrem diariamente as dificuldades do processo de exclusão. Elas enfrentam os perversos resultados da omissão do Estado (...) É natural não poder fazer nada diante de suas filhas adolescentes prometidas para traficantes? Essa situação é real", disse.

 A jornalista Juliane engrossou o discurso sobre a responsabilidade do Legislativo. "Estamos aqui tratando de assassinos que legitimam a ação do Estado contra o povo negro. Que daqui a dois dias vão levar à votação a medida racista da redução da maioridade penal. Porque, se não nos matam ao nascer, tentam nos matar no decorrer de nossas vidas. As armas mudam de nome. A morte começa bem antes do tiro da polícia ou do encarceramento em massa. Ela começa na Emenda Constitucional 95 (que congela os gastos) e na austeridade adotada em nome da estabilidade do mercado."

Por fim, diante do exposto, o desembargador Malheiros afirmou que "o Congresso deve refletir os desejos do povo. No entanto, é facilmente constatável que os segmentos da nossa população como negros, mulheres, jovens, trabalhadores, indígenas, LGBTs e pessoas com deficiência não têm proporcionalidade à presença na sociedade."

"Conclamo que as práticas inaceitáveis usadas no Congresso para compor maiorias atentam contra a independência dos poderes, desmoralizam o Legislativo como instituição essencial à democracia, levando a atividade política ao descrédito, sejam definitivamente banidas do Parlamento nos níveis municipal, estadual e federal. E declaro os integrantes da maioria do Congresso moralmente culpados perante a nação brasileira por uso de tais práticas, aprovando leis e emendas de caráter nitidamente prejudicial para o presente e para o futuro do brasileiro e para a soberania nacional. Determino que seus nomes sejam lançados no rol dos culpados e divulgados para que, em futuras eleições, não consigam mais votos", sentenciou.