Escrito por: Redação CUT

Tributação no Brasil tem que ter foco em renda e patrimônio, diz Sérgio Nobre

Em seminário organizado pelo Sesi e Correio Brasiliense sobre a reforma Tributária, presidente da CUT afirmou que o país tem que ter ‘coragem para enfrentar o debate ideológico sobre tributação’

Karla Marques

A proposta de reforma do sistema tributário brasileiro, já apresentada ao Congresso Nacional pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi tema do “Seminário reforma tributária e seus efeitos na indústria”, realizado nesta quarta-feira (20) em Brasília. Convidado a expor o posicionamento do movimento sindical, o presidente da CUT, Sérgio Nobre, afirmou que a lógica seguida pelo Brasil para tributação é equivocada, penaliza os trabalhadores, a classe média e a indústria brasileira e deve passar uma inversão. Essa mudança, ele diz requer prioridade no debate sobre a reforma.

O Brasil, explicou o dirigente, segue um formato em que o foco da tributação recai sobre o consumo e sobre a produção o que impacta diretamente no processo de reindustrialização do país. “Quando é ao contrário, mais focado no patrimônio e na renda, o sistema tributário é mais justo. E o grande desafio é inverter esse modelo para ter foco em renda e patrimônio”, disse Sérgio Nobre.

“Temos que nos desafiar a fazer a reforma tributária necessária para o Brasil volta a crescer e ter coragem para fazer isso”, completou o dirigente afirmando que a sociedade brasileira precisa fazer esse debate, “colocar o dedo na ferida”, como disse o dirigente.

A ferida a que se refere está relacionada a uma disputa ideológica permanente no Brasil que o Estado não pode gastar, tem que ser ‘mínimo’ e cortar custos.

Ao citar a avaliação de economistas e até mesmo a própria história do país, o presidente da CUT deixou claro que um país só cresce quando, além de investimentos privados, há planejamento do Estado e investimentos públicos. E a recuperação da indústria brasileira está diretamente ligada ao crescimento. Sem indústria forte, não há desenvolvimento.

Qualquer país que oferece padrão decente, tem base industrial forte, com empresas de alta tecnologia e produção com alto valor agregado. O Brasil não tem futuro se não tiver uma base industrial inovadora. Tudo tem que convergir para isso- Sérgio Nobre


A tributação está diretamente ligada ao crescimento do país. O modelo atual faz com a indústria brasileira, dada a carga tributária sobre o que produz e a burocracia envolvida, inviabiliza o crescimento.

Segundo ele, o melhor modelo, já adotado pelos países mais desenvolvidos, é a tributação do patrimônio, dos lucros e dos dividendos, fazendo com que milionários e bilionários contribuam mais do que o pouco que contribuem hoje, ou seja, quem tem mais, paga mais impostos. E ele exemplifica: “Se reduzir impostos [das indústrias], quem vai pagar? São os ricos, o sistema financeiro que ganha muito dinheiro”.

Sérgio Nobre reforçou ainda que sem a estrutura e investimentos do Estado, como acontece em países desenvolvidos, o Brasil ficará estagnado. “Se a gente não recupera a estrutura do Estado, não tem como o Brasil voltar a crescer”, disse.

Renda

Além da tributação, mudar a tributação sobre a renda, para o presidente da CUT, também é fundamental. Hoje, o imposto de renda tem como teto a alíquota de 27,5%. Isso faz com que um trabalhador que ganhe mensalmente, por exemplo, entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, pague o mesmo imposto que um executivo que ganha R$ 300 mil. Ou seja, proporcionalmente, quem ganha mais paga menos impostos. A CUT, ao longo de seus 40 anos de história, sempre defendeu uma tabela progressiva de descontos.

“Eu defendo que toda pessoa tem que contribuir com a vida em sociedade, nem que seja meio ou 1%. Mas tem que ter uma tabela que vai crescendo até 60% como nos países desenvolvidos”, disse Sérgio Nobre.

Ele explica que o teto da atual tabela, penaliza a classe média e poupa os mais ricos e esse é outro debate a ser feito – um outro desafio, de implementar uma tabela nova.

Ainda sobre a renda, ele reforçou que lucros e dividendos devem ser tributados. E citou o desconto nos pagamentos da Participação de Lucros e Resultados. “Trabalhadores pagam imposto de renda sobre a PLR, as empresas não pagam sobre os lucros distribuídos” disse, se referindo a sócios e acionistas.

Por isso, para o dirigente a inversão necessária envolve o enfretamento à desigualdade e tem que ser feito com prioridade da reforma tributária. “Quando a gente ouve que será um segundo momento ou que será feito ‘o possível’, penso que temos é que nos desafiar a fazer agora. Enquanto temos pessoas na rua passando fome, tem 100, 200, que são bilionários e pagam muito pouco imposto”, pontuou.

Expectativa

Para o presidente da CUT, os ‘atores sociais’ – classe trabalhadora, movimento sindical, e empresários tem que pressionar o Congresso por essas mudanças. Ele citou sua recente viagem à China, convidado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva’, quando viu de perto o modelo de desenvolvimento adotado pelo país.

“O que eles fizeram para o desenvolvimento foi impressionante. Hoje tem quantidade e tem qualidade e conseguiram com políticas tributárias justas, com educação e com infraestrutura. Por isso chegaram onde estão”, contou o presidente da CUT.

Complementou ainda que, no Brasil, se o sistema tributário ‘jogar contra’, o país não chegará a lugar nenhum. “Assim como os chineses, podemos fazer. Temos uma classe trabalhadora espetacular e um empresariado muito bom para isso”, disse Sérgio.

Classe trabalhadora

Anfitrião do seminário, o presidente do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (CN-Sesi), Vagner Freitas, também ex-presidente da CUT, na abertura do evento, fez um panorama do sistema tributário brasileiro, apontando a urgência, assim como Sérgio Nobre, de uma revisão do modelo atual que privilegie tanto a produção quanto à classe trabalhadora.

“É preciso tributar os dividendos, acabar com a isenção de juros sobre o capital próprio e redistribuir a tabela do Imposto de Renda para que quem tem mais renda pague mais imposto”, disse Vagner complementando que dessa forma, haveria mais justiça social e distribuição de renda.

Karla MarquesVagner Freitas 

“Com essa desoneração o consumo cresce, a indústria cresce, os empregos aumentam e teremos uma economia saudável para todos”, explicou. Ele reforçou ainda que não se trata de um projeto de segmentos, mas de um “projeto de país”.

Vagner ressaltou que será um desafio fazer a reforma avançar para que a renda e a propriedade possam ser a maior base de arrecadação.

Esse é o nosso maior desafio – construir um sistema tributário moderno que nos coloque no mesmo patamar dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] e do G20 em termos tributários- Vagner Freitas

Essa mudança que a reforma pode oferecer, ele pontua, “certamente deixará a indústria mais competitiva”.

Debate

O seminário contou com a participação, entre outras personalidades e especialistas, do vice-presidente da República e ministro da Indústria e Desenvolvimento, Comércio e Serviços,, Geraldo Alckmin e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Para o vice-presidente Geraldo Alckmin, a reforma precisa ser aprovada ainda este ano para acelerar o crescimento. “Estudos mostram que em 15 anos pode ter um crescimento de 10%, o que passa por uma vocação de investimento muito mais eficiente e com bons resultados para o país. Essa é uma reforma eficaz. É de ciência econômica, faz o Produto Interno Bruto crescer, gerar investimento e emprego para ele e a gente poder avançar", disse.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se mostrou otimista. “Se nós continuamos dando os passos certos, nós podemos entrar em um ciclo de desenvolvimento sustentável no país (...) Depois de muitos anos de crescimento pífio, de dificuldade de atender as necessidades da população, de criar um ambiente de negócios mais favorável para os empreendedores brasileiros, eu penso que a reforma tributária se insere neste cenário”, disse.