Escrito por: Redação RBA
Investigação identificou 17 policiais como autores da execução de 10 trabalhadores rurais. Desde 1980, 846 camponeses foram mortos no Pará e apenas 14 mandantes foram condenados
Há um ano, em 24 de maio de 2017, um grupo de policiais militares e civis do município de Redenção (PA) executou 10 trabalhadores rurais no interior da Fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, em crime que ficou conhecido como o Massacre de Pau D’Arco. Segundo o inquérito da Polícia Federal (PF), dos 29 policiais que participaram da operação, 17 (13 militares e quatro civis) foram os responsáveis pela execução.
Todos foram denunciados pelo Ministério Público do Pará (MP-PA) e presos por decisão do juiz da comarca de Redenção. No processo criminal, os acusados já foram interrogados, assim como as testemunhas de defesa e acusação. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a expectativa agora é que o juiz encaminhe o caso para o Tribunal do Júri, provavelmente em 2019.
Se os autores do Massacre de Pau D’Arco foram identificados, o mesmo não se pode dizer dos mandantes. O inquérito da PF para apurar a ordem e o financiamento dos crimes, que corre em segredo de Justiça, ainda não foi concluído. “A impunidade que beneficia os mandantes dos crimes é também uma das causas da continuidade da violência no campo”, afirma a Pastoral.
A entidade destaca que um ano após o massacre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) ainda não esclareceram a legalidade da documentação da Fazenda Santa Lúcia, local onde aconteceram as execuções. Como consequência, o processo de aquisição da fazenda para fins de reforma agrária está parado. “Essa circunstância agrava os conflitos na área. Nas regiões Sul e Sudeste do Pará, área de abrangência do Incra de Marabá, existem hoje 160 fazendas ocupadas por cerca de 14 mil famílias”, diz a CPT, enfatizando a ausência de apoio às famílias das vítimas do massacre por parte do governo do estado.
Dados da CPT revelam que 70 pessoas foram assassinadas no Brasil em 2017, por causa de conflitos no campo, um recorde desde 2003 – sendo 21 apenas no Pará. O estado da região Norte teve 846 assassinatos no campo desde 1980, e 65% dos casos nem sequer foram investigados. Entre os crimes apurados, apenas 14 mandantes foram condenados pela Justiça local.
“Por tudo isso, é medida de Justiça que as investigações do Massacre de Pau D'Arco responsabilizem os executores e mandantes do crime, bem como que o Estado garanta indenização e amparo às famílias das vítimas e que o Incra promova o assentamento das mesmas na Fazenda Santa Lúcia, palco do massacre. A impunidade e o abandono continuam a rondar insistentemente os crimes em conflitos no campo”, finaliza a nota da CPT.
De acordo com o vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, a impunidade dos mandantes do Massacre de Pau D’Arco faz com que “as forças” da região continuem “muito vivas e atuantes”. “Não houve um comando no sentido de que essas forças deveriam recuar. Elas se sentem ainda empoderadas, por isso continuam ameaçando”, analisa. Segundo ele, advogados de defesa dos trabalhadores rurais estão sendo ameaçados e há rumores de listas de pessoas marcadas para morrer.
“Quando não há o assentamento de posseiros, de trabalhadores rurais, o resultado é esse: despejos violentos, assassinatos, ameaças. Esse é o clima em que se encontra em toda a região no estado do Pará e no país, na medida em que não existe reforma agrária”, diz o vice-presidente do CNDH.
Frigo afirma que as ameaças de despejo na região de Marabá são consequência da estagnação, por parte do governo federal, do processo de reforma agrária. “Seja através da decisão política de não fazer mais o assentamento de famílias, seja através da desculpa criada pela Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um teto de gastos e agora passa a criar uma situação de violação de direitos humanos em massa no país”, critica.
O CNDH destaca perícia feita em agosto de 2017 pela PF, na qual ficou provado que não houve troca de tiros entre os trabalhadores rurais e os policiais, mas “execuções sumárias”, que confirmam a tese de massacre. “Todas as testemunhas e vítimas confirmaram que os 10 trabalhadores não reagiram, mas foram friamente executados. As cinco testemunhas salvaram-se quase que por milagre. Empreenderam fuga na mata, mesmo duas delas tendo sido baleadas, sendo socorridas somente no dia seguinte”, lembra Frigo.