Escrito por: Isaías Dalle
Em todos os debates acompanhados no Festival da Utopia, em Maricá, foi destacada a dificuldade de se comunicar com a maioria da população
O Festival da Utopia, organizado pela prefeitura de Maricá (RJ), com forte presença dos movimentos sociais, vem debatendo ao longo dos três últimos dias grande variedade de temas, em busca de renovar sonhos e aspirações para construir um mundo justo e solidário.
Em todos os debates acompanhados, em algum momento, foi destacada a dificuldade de fazer chegar à maioria das pessoas as informações e os dados transformadores, que contrariem o senso comum conservador.
Assim, pode-se concluir que a grande utopia, ou a mais presente, em todas as inquietações e planos, é conseguir falar com o povão.
A escola não fala
Julia, ao microfone. Na ponta direita, Marcos
Também professor e pastor, o militante LGBT Marcos Lord destacou que o modelo fundamentalista religioso que ganhou mais força nos últimos tempos no Brasil está “excluindo quase todos, de tão restrito”. E concluiu: “As pessoas acabam achando que isso é verdade”.
Quase naquela mesma hora, debatia-se na Tenda Carlos Manoel, da CUT-RJ, a importância do petróleo da camada pré-sal e sua manutenção como patrimônio nacional, tendo a Petrobrás como operadora única. Fator de desenvolvimento, de financiamento da educação e da saúde, objeto de cobiça por parte das grandes petroleiras estrangeiras, tudo sob risco de privatização com o atual governo ilegítimo.
Comparação esclarecedora
“Mas a maioria da população não sabe dessas coisas”, destacou, em determinado momento, Zé Maria Rangel, coordenador da FUP-CUT (Federação Única dos Petroleiros) e um dos debatedores. Ele demonstrou angústia com o bloqueio da grande mídia, que defende a privatização e usa de argumentos vários para isso, mas lembrou também da dificuldade que os movimentos sociais têm para transmitir dados em linguagem acessível.
Zé Maria: o povão não entende o pré-sal
O professor de Relações Internacionais Igor Fuzer, da Universidade Federal do ABC, falou dos interesses dos Estados Unidos no golpe em curso no Brasil, pois estão de olho no pré-sal. “A gente precisa dizer isso para as pessoas de uma forma que elas entendam”, reiterou. Um dia antes, quinta-feira, a mesma constatação de incomunicabilidade com o povo permeou as falas de dirigentes e especialistas.
Comunicação alternativa
Na tarde desta sexta, 24, o debate na tenda da CUT foi comunicação propriamente dita. Bia Barbosa, do coletivo Intervozes e do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) foi explícita: “Nossa utopia é um dia proibir que políticos sejam donos de meios de comunicação. Utopia é o dia em que as rádios comunitárias não forem criminalizadas e tiverem alcance por todo o território. Utopia é fortalecermos um sistema público de comunicação”, alinhavou. Fez duras críticas ao monopólio da mídia, que impede que as informações de interesse popular e soberania nacional cheguem às pessoas.
“A comunicação não pode ser um tema restrito a especialistas e profissionais da área. Ela precisa ser entendida como um direito por toda a sociedade”.
Pouco antes, durante debate na Tenda dos Pensadores Darcy Ribeiro, uma pessoa na plateia pediu a palavra para reclamar que a população de Maricá não estava sabendo que o Festival da Utopia estava acontecendo na cidade, ou os que sabiam não entendiam do que se tratava.
Cruzar demandas como tática
O secretário nacional de Comunicação da CUT, Roni Barbosa, apesar do entusiasmo demonstrado, não deixou de reconhecer a dificuldade de extrapolar as fronteiras. “As redes sociais hoje são a trincheira da esquerda. Nossa dificuldade é atingir quem não está conectado nas redes. Precisamos combinar nossas narrativas de temas nacionais para que cheguem à massa que não conseguimos chegar”.
Laura Capriglione, do coletivo Jornalistas Livres, em certo trecho de sua exposição, ponderou: “A esquerda é especialista em falar para si mesma”. Propôs uma nova tática: incluir no noticiário da esquerda temas que, mesmo afeitos à política, não sejam dirigidos apenas “aos tarados por política”. E deu um exemplo: “As mulheres estão bastante mobilizadas contra a cultura do estupro. Se nós publicarmos conteúdo sobre esse tema, sem falar de política no estrito senso, conseguimos trazer esses grupos para nosso lado”.
Fernando Morais vai escrever o último livro de sua vida e vai ficar só na web
E o governo ilegítimo de Temer é uma ótima oportunidade para fazer esse cruzamento e elevar o alcance das mensagens da esquerda. “O Temer é inimigo de todo mundo. Dá pra trazer todos para nosso lado”, sugeriu.
O jornalista e escritor Fernando Morais acredita que “os blogs sujos (forma pejorativa com que José Serra se referiu à imprensa alternativa durante a campanha de 2010) vão encaçapar a Globo, o SBT, a Record, todos”. E anunciou que está escrevendo um livro sobre Lula. “Terminado este livro, não vou mais escrever nada para ser impresso. Vou militar só na internet”. O blog que ele pretende criar já tem nome: “Nocaute”.