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Uns comem, outros não: a dura realidade de estudantes de colégio estadual, em SE

Para tentar dar mínima condição de uso, os próprios estudantes do ensino do médio limpam os banheiros

Publicado: 21 Junho, 2018 - 17h11

Escrito por: Luana Capistrano Ligado - SINTESE

Divulgação
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Colégio Estadual Coronel José Joaquim Barbosa, em Siriri, manhã de 19 de junho de 2018

Era horário do recreio, várias crianças brincavam pelo Colégio, o cheiro de comida que saia da cantina dava para ser sentido assim que se entrava no pátio interno, mas o curioso é que não o havia fila de estudantes em frete a cantina para pegar a refeição; não havia pratos sobre as mesas do refeitório improvisado, em frente a cantina; não havia nenhuma criança ou adolescente comendo por ali. Havia apenas o cheiro de comida que tomava todo o pátio interno do colégio.

Mas por que ninguém comia?

A resposta veio em seguida: “A comida que está sendo feita é apenas para os alunos do ensino médio integral. É o almoço deles”. Naquela manhã não houve lanche para os estudantes do ensino regular, nem aos estudantes do ensino médio em tempo integral.

Uns comem e outros não

O Colégio Estadual Coronel José Joaquim Barbosa se tornou Centro Experimental de Ensino Médio em Tempo Integral em abril de 2018, quando iniciou o ano letivo da Unidade de Ensino.

Além dos estudantes do tempo integral, que totalizam 104, o Colégio Estadual Coronel José Joaquim Barbosa mantém turmas do ensino regular. Pela manhã estudam também alunos do 2º ano ao 6º ano do ensino fundamental, no turno da tarde estão estudantes do 7º ano ao 9º ano do ensino fundamental. E no turno da noite a escola oferta a Educação de Jovens e Adultos, tanto do fundamental como do ensino médio, e o Ensino Médio Regular. O Colégio tem ao todo 753 estudantes, de acordo com a secretaria da própria Unidade de Ensino.

Nestes três meses que o Colégio passou a atender o Ensino Médio em Tempo Integral, a alimentação tem sido um grande problema. As merendeiras pela manhã preparam o almoço dos estudantes do tempo integral, como são apenas duas, em uma cozinha pequena, sem ventilação e sem qualquer condição estrutural para atender os aproximadamente 250 estudantes da manhã, a orientação é que a prioridade é o almoço dos estudantes matriculados no Ensino Médio em Tempo Integral.

A merendeira do turno da manhã, Maria Arlene dos Santos, diz que fica com o coração partido por ter que dizer para as crianças do ensino regular que a comida, que espalha seu cheiro pelo pátio, não é para elas.

“Os meninos do regular estão sofrendo, estão com fome, aqui só tem prioridade o integral. Os pequenininhos do regular ficam a manhã todo sentido o cheiro da comida e sempre vêm aqui me perguntar: “tia, o que que tem para comer hoje?” Dói o coração ter que dizer que a comida não é para eles, que é o almoço do Integral. O Governo do Estado vem, empurra uma bomba dessa e não pensa na realidade das escolas. A situação é de indignar”, afirma a merendeira.

Maria Arlete dos Santos coloca ainda da dificuldade de trabalhar em uma cozinha com a estrutura inadequada, e que não dá tempo de preparar refeição para o ensino regular porque é sempre dito a ela que a prioridade é o Integral.

“Hoje não tivemos nem lanche pronto. Sei que tem muitas crianças aqui que passa necessidade e que a comida da escola é muito importante. Mas como somos só duas, em uma cozinha pequena, com um fogão pequeno, não temos tempo de preparar almoço para o integral e uma outra refeição para as crianças do regular. E como sempre é dito para a gente que o Integral é prioridade, não temos o que fazer. É muito triste”, declara a merendeira.

Com isso, se houver lanche pronto (biscoito, broa, suco de caixa) os estudantes do ensino regular do turno da manhã comem, se não houver não comem. Assim também é para os estudantes do Ensino Médio de Tempo Integral, que só têm o almoço. Almoço este que muitas vezes é garantido porque professores e funcionários fazem uma 'cotinha' para comprar temperos e hortaliças que não chegam ao Colégio. As demais refeições não são asseguradas.

E quando falamos de almoço, não estamos falando de nenhum ‘banquete’ muito pelo contrário.

“Passamos um mês comendo carne moída. Falaram para os nossos pais que teríamos três refeições por dia, mas só temos o almoço, que é muito fraco. Além disso, agora no mês de junho, passamos três dias sem almoço, aí só tínhamos aula pela manhã e depois mandavam a gente para casa”, relata o estudante do 1º ano, do ensino médio em tempo integral, Pedro Ramon.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Mistério da Educação (MEC), diz que deve ser assegurado aos estudantes matriculados em Tempo Integral, nas escolas da rede pública, três refeições diárias.

Outros problemas

Mas os problemas do Colégio Estadual Coronel José Joaquim Barbosa não findam somente na falta de alimentação escolar para seus estudantes. Assim como a maioria dos Colégios da rede estadual, o Colégio Estadual José Joaquim Barbosa não tem nenhuma condição estrutural para receber estudantes em tempo integral.

Os banheiros são alvo de reclamações constantes dos estudantes. Além de fétidos, a condição de uso é precária. No banheiro feminino água para lavar as mãos só tem em uma das pias. Já no masculino nenhuma das pias funciona. Em ambos os banheiros não tem água para dar descarga, ou seja, as necessidades dos estudantes se acumulam nos vasos sanitários ao longo do dia e o fedor dá para ser sentido antes mesmo de entrar nos banheiros. As portas, tanto do banheiro feminino, quanto do masculino, estão todas quebradas, sem tranca, logo, não há como ter privacidade.

O absurdo é tamanho que são os próprios estudantes do Tempo Integral que, por muitas vezes, fazem a limpeza dos banheiros. “O banheiro é muito fedido. Sei que não é nossa obrigação limpar, mas se a gente não limpa, não tem como usar”, coloca o estudante do 1º ano do Ensino Médio em Tempo Integral, Claudevan Silva.

Os estudantes também sofrem com a falta de professores das disciplinas de biologia e sociologia. Os refletores da quadra estão queimados, como isso, os estudantes da noite não podem usar a quadra para as aulas de Educação Física ou para se divertirem no intervalo.

É importante destacar que o Colégio Estadual Coronel José Joaquim Barbosa é o único da Rede Estadual, em Siriri. O único que oferece o Ensino Médio na cidade, com isso se o adolescente que está no 1º ano do ensino médio, que não tem idade para ir para o turno da noite e que não quer ou não pode estudar em tempo integral, só tem uma opção: ir estudar em Nossa Senhora da Dores, arcando com o transporte por conta própria.

“Se eu pudesse escolher não estudaria no tempo integral porque a nossa escola não tem estrutura para nos receber. Não temos onde tomar banho, se queremos banheiros limpos nós que temos que limpar. Passamos o dia todo aqui e só temos o almoço, um almoço de baixa qualidade e não por culpa das merendeiras, mas porque faltam ingredientes básicos, ou só tem uma coisa para cozinhar todos os dias. Passamos um mês comendo carne moída. Não é certo nos manter nesta condições. Precisamos de uma estrutura melhor”, coloca a estudante do 1º ano do Ensino Médio em Tempo Integral, Rafaela Melo.