Escrito por: Vitor Shimomura, do Brasil de Fato
Norma da Ditadura é usada pelo governo para perseguir críticos, mas tem outra função, que pode ser mantida em reforma
Após 37 anos em vigor, a aplicação da Lei de Segurança Nacional (LSN) voltou a ser alvo de debate no Brasil. Aprovada durante a Ditadura Militar, em 1983, a legislação carrega uma herança autoritária e tem sido utilizada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) como um instrumento para perseguir e criminalizar opositores.
Em Tocantins, o sociólogo Tiago Rodrigues foi investigado pela Polícia Federal por contratar duas placas outdoor com conteúdo crítico à gestão do presidente da República. Em uma das placas, instaladas em agosto numa avenida de Palmas (TO), a mensagem dizia que o presidente valia menos que um "pequi roído", que significa algo sem valor ou importância.
Apesar de o caso ter sido arquivado originalmente por recomendação da Corregedoria Regional da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal no Tocantins, o ministro da Justiça, André Mendonça, decidiu reabrir o inquérito em dezembro do ano passado. O ministro alega que o sociólogo praticou crime contra a honra do presidente da República, o que colocaria em risco a própria Segurança Nacional.
Nesta semana, o sociólogo entrou com um pedido de Habeas Corpus na Justiça, que foi negado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ribeiro Dantas. Na decisão, o ministro apontou que, em análise preliminar, não foram reconhecidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência. No entanto, o mérito do Habeas Corpus ainda será analisado pela Quinta Turma, ainda sem data definida.
Tiago entende que a abertura do inquérito em Brasília é um problema grave de cerceamento da liberdade de expressão, e que a lei apresenta um mecanismo de intimidação não compatível com o Estado Democrático e de Direito.
“Eu não vejo isso senão como um fato político. Eu acredito que, pelas próprias concepções ideológicas e pelo pensamento estreito do presidente da República, ele utiliza dessa lei hoje para fazer ações de coerção, tentando, de uma certa maneira, silenciar, seja por medo, seja por essa pressão estatal, essa pressão do Estado, seus opositores”.
Nuredin Ahmad Allan, advogado e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), vincula a utilização da lei com a escalada do autoritarismo no governo Jair Bolsonaro.
“A ruptura democrática de 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro utilizando de um discurso bastante ofensivo às liberdades democráticas e em relação a opiniões diferentes autoriza a adoção da LSN como um instrumento de perseguição e de repressão política e ideológica. Hoje, não é outro o propósito desta legislação”, afirma o especialista.
Há pouco mais de um mês, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) também foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Nesse caso, o advogado explica que existe diferenças entre criticar representantes do poder e ameaças e apologia à violência contra instituições da República.
Ahmad Allan explica: "A gente precisa muito fazer a separação da situação do Daniel Silveira, que fez ameaças à vida e à integridade física de ministros do STF, com os casos de um outdoor que faz uma crítica em relação ao combate à pandemia."
O que não se pode permitir, continua ele, "é que o discurso de ódio, que visa eliminar o outro, agredir o outro, seja tomado como liberdade de expressão. São questão absolutamente distintas. A LSN se instrumentaliza e tem sido utilizada pelo presidente para que o terror e o temor impere dentro da sociedade".
Frente contra o autoritarismo
Na semana passada, Felipe Neto também foi acusado de crime contra a segurança nacional após chamar Bolsonaro de 'genocida' no Twitter. Um dia após a suspensão do inquérito, o youtuber lançou o movimento Cala Boca Já Morreu, com o objetivo de assessorar quem também sofreu silenciamento e perseguição política. Segundo Felipe Neto "ninguém ficará sem defesa caso seja vítima de abuso de autoridade contra a liberdade de expressão".
Em uma semana, o grupo já contabilizou mais de 150 pessoas que foram intimadas ou processadas por críticas ao governo. Para o advogado e co-fundador do movimento André Perecmanis, a quantidade de casos coletados demonstra a necessidade da lei ser revista no STF, a fim de aferir sua constitucionalidade, seja em sua totalidade e em alguns de seus artigos. Atualmente, há 23 propostas de alteração protocoladas no Congresso Nacional.
“Existem dispositivos relativos à conduta que não deveriam, em hipótese alguma, em uma democracia, ser criminalizados. Outras tantas condutas devem ser criminalizadas, mas já são tratadas pelo Código Penal. Então, a LSN é, efetivamente, um resquício da ditadura. E a gente espera que o STF, na análise que há de ser feita com maior brevidade possível, de fato, retire a LSN do nosso quadro normativo”.
Ações no STF
Recentemente, duas ações movidas pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foram endereçadas ao STF. No caso do PSB, foi pedida a supressão de trechos que ofenderiam preceitos constitucionais, como liberdade de expressão, que são exatamente os que foram utilizados pelo governo para tentar criminalizar seus críticos.
No entanto, para o partido, é fundamental manter certos trechos em vigor, para não prejudicar a defesa da ordem democrática pelo Poder Judiciário, que são os artigos que foram utilizados para criminalizar a conduta do deputado Daniel Silveira. Já no pedido do PTB, se entende que o texto todo é incompatível com a Constituição. Ambas ações aguardam decisão do relator, ministro Gilmar Mendes, e definição em julgamento em plenário.
Edição: Vinícius Segalla