Escrito por: Andre Accarini

Venda da Dataprev e do Serpro colocam em risco privacidade dos brasileiros

Sindicalistas alertam que, além de o cidadão ter de começar a pagar taxas e impostos para serviços públicos, empresas podem usar dados sem autorização, fora os riscos à soberania do Brasil

arte: Alex Capuano/CUT

Riscos para a soberania do país, para a segurança dos dados de todos os brasileiros e brasileiras e até de criação de taxas para serviços que hoje são gratuitos, a privatização da  Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) e do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), faz parte dos planos do governo entreguista de Jair Bolsonaro (ex-PSL) desde 2019.

Se essas estatais forem privatizadas, os dados financeiros, profissionais e sociais de quase todos os brasileiros e de empresas nacionais, que hoje estão protegidos no banco de dados das duas empresas, poderão ser cruzados com dados comportamentais disponíveis na Internet sobre os brasileiros para atender aos interesses do capital privado.

“Nenhum pais do mundo entregou seus dados à iniciativa privada”, afirma Socorro Lago, Secretária da Mulher Trabalhadora da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares (Fenadados), que alerta sobre os riscos da privatização à soberania do país.

“Essas informações podem ser utilizadas para inúmeras situações. Temos visto o vazamento de dados de operadoras como a Vivo e a Claro. E para o cidadão, esse vazamento desses dados, no caso de privatização, é um risco à sua segurança e a sua privacidade. É um prejuízo grande”, completa a dirigente.

A campanha “Salve Seus Dados”, que luta contra a entrega das estatais Dataprev e Serpro, elencou outras implicações de uma eventual privatização que vão desde atrasos no pagamento de aposentadorias (o que nunca aconteceu), aumento de custos para o Estado contratando empresas privadas para gerir sistemas como o da previdência, até o aumento de preços de planos de saúde que, de posse do histórico dos cidadãos - e dos dados sobre auxílio doença - poderia cobrar mais caro pela cobertura.

Dataprev e Serpro na vida dos brasileiros

Apesar de não serem muito conhecidas pelos brasileiros, as duas empresas estão presentes no dia a dia de todos os brasileiros.  

A Dataprev e o Serpro concentram todos os dados de cada um de nós e a partir disso viabilizam serviços essenciais como o acesso à previdência, a benefícios sociais como auxílio-doença, seguro-desemprego, além de documentos (inclusive digitais) como título de eleitor, carteira de trabalho, carteira de habilitação, licenciamento de veículos, o CPF, o CNPJ, as declarações de Imposto de Renda, e vários outros serviços essenciais à população.

O cadastro da Dataprev contém várias informações como a idade, o local de nascimento, tempo de contribuição ao INSS, vínculos empregatícios, salários em cada empresa, além de outros dados. É o perfil mais que completo da população, desde o nascimento até o óbito. São bilhões de informações sobre os cidadãos brasileiros em centenas de bancos de dados. A empresa é também, por exemplo, a responsável pelo pagamento de cerca de 35 milhões de benefícios previdenciários.

Já o Serpro concentra em seu banco de dados as informações cadastrais tanto de pessoas físicas como de empresas (pessoas jurídicas) e, mais ainda, tem todos os dados e a gestão dos sistemas de finanças do governo federal. É a vida contábil do país.

Aos cidadãos mais vulneráveis, mais recentemente, a Dataprev e o Serpro se mostraram fundamentais para que o pagamento do auxílio emergencial chegasse aos cerca de 68 milhões de beneficiários do programa de forma mais rápida e segura de março a dezembro do ano passado, na primeira fase do programa e novamente este ano na nova rodada de pagamento de auxílio, menor e para menos pessoas.

Não fosse a tecnologia desenvolvida pela estatal, aliada ao banco de dados, provavelmente o auxílio teria demorado muito mais a ser pago, o que agravaria a situação de vulnerabilidade desses milhões de trabalhadores, impactados pela perda do emprego e da renda. A afirmação é de Telma Dantas, diretora de Políticas Sindicais da Fenadados.

“Se a tecnologia é pública, favorece ao governo na agilização desses processos. Na pandemia, Serpro e Dataprev agilizaram o pagamento de auxílio. Se dependesse da iniciativa privada, certamente não estaria pronto a tempo, como aconteceu com as estatais”, diz Telma.

Ela ressalta a função social dessas empresas que resulta em segurança e qualidade de vida ao cidadão, porque a grande maioria dos serviços é gratuita.

Riscos à soberania

Socorro Lago explica que além de o cidadão ter de começar a pagar taxas e impostos para serviços públicos, empresas se utilizarão desses dados para traçar o perfil econômico dos brasileiros. Ela afirma que são inúmeros os interesses.

“São informações que podem circular nas mãos de uma empresa, provavelmente uma multinacional, que podem ser utilizadas para jogo político ou mesmo para interesses comerciais. Esses dados podem ser aplicados, por exemplo, para a aumentar o faturamento de empresas estrangeiras, a instrumentalização das estratégias de venda aos consumidores finais etc.”, ela diz.

Assim, caso a privatização aconteça de fato, o Brasil estará colocando em risco a sua soberania por expor quem são, o que fazem e onde estão quase todas as pessoas no território nacional. Além disso, o Estado deixaria de cumprir o papel de garantir e de se responsabilizar pela privacidade do cidadão. E de empresas nacionais também.

“É muito poder para ser repassado desta forma”, diz Telma Dantas.

Entregando o jogo

Para as dirigentes da Fenadados, o motivo para a entrega dessas estatais é um ‘jogo político’. O governo diminui a participação do Estado na vida do cidadão enquanto privilegia a inciativa privada, entregando o patrimônio público à elite econômica.

E ao contrário do que costuma argumentar o governo quando anuncia privatizações, as empresas estatais em questão não são deficitárias nem ineficientes como costuma argumentar o governo para convencer a sociedade.  

Com mais de cinco décadas, o Serpro, fundando, construiu uma história ao longo dos tempos que inclui a formação de um patrimônio humano e de tecnologia para superar quaisquer dificuldades.

“Nunca se ouviu falar em vazamento de dados.  Há um acompanhamento, há verbas para desenvolvimento de políticas de proteção e segurança de dados. Anualmente, a estatal [Serpro] processa 90,5 milhões de declarações de imposto de renda e gera uma receita de R$ 500 milhões para se manter”, afirma Telma Dantas.

Socorro Lago afirma que o governo estaria não somente vendendo dados de todos os brasileiros, mas também abrindo mão do lucro que a Dataprev gera e do patrimônio que ela construiu após anos de investimento, e dos funcionários capacitados e especializados em sistemas e serviços que têm como objetivo promover a qualidade de vida do cidadão

 “O que precisa é fortalecer a tecnologia pública porque ela é instrumento de transformação e poder porque é com essa tecnologia que o governo dá andamento a projetos que atendem à população, como os benefícios sociais. O governo tem isso nas mãos, não precisa depender da contratação de empresas privadas”, afirma a dirigente.

A Dataprev – que opera desde 1974 – é também exemplo de eficiência (a empresa já recebeu prêmios pela sua atuação) e, igualmente, se sustenta sozinha. Socorro Lago explica que contratos de serviço geram a receita necessária para a sua manutenção.

“Não tem um centavo do governo para manter essas estatais”. A dirigente explica que esse dinheiro vem, por exemplo, da prestação de serviços como acontece no empréstimo consignado em que um trabalhador contrata o crédito em um banco qualquer e o desconto em folha passa pelos sistemas da estatal, que por sua vez, recebe uma pequena porcentagem em cada mensalidade.

“Os bancos repassam para a Dataprev R$ 1,00 ou R$ 2,00 por cada prestação, por que há uma demanda para a estrutura, como energia, mão de obra, etc.”, ela explica.

Telma e Socorro reforçam ainda que qualquer ataque ao patrimônio humano da Dataprev e do Serpro é injusto.

Desemprego e desmonte

De acordo como Socorro Lago, que 20 escritórios da Dataprev já foram fechados. Trabalhadores e trabalhadoras, graças à a ação da Fenadados, foram remanejados para suprir a demanda de atendimento no INSS, que hoje tem fila de mais de 1,7 milhão de pessoas esperando concessão de benefícios.

Alguns serviços prestados como fornecer meios para a realização do empréstimo consignado já foram entregues a empresas privadas. Socorro Lago explica que é um processo de desmonte para tornar sucatear a empresa e entrega-la ao capital privado.

“Se forem privatizadas, trabalhadores vão perder empregos e o impacto econômico será grande. Vai aumentar o gráfico que temos de vidas que não tem renda por que cada pessoa desempregada faz parte de um núcleo familiar que depende dessa renda”, diz a dirigente.

Ela afirma que a privatização não é apenas um retrocesso, mas vai contra qualquer política de inclusão social. “É jogar fora a vida de pessoas que construíram, entendem desse serviço e levaram a empresa patamar de excelência, além e jogar fora todo o investimento tecnológico feito até hoje. Ninguém vende o que dá lucro a não ser que por motivos políticos”, ela conclui

Em janeiro de 2020, trabalhadores e trabalhadoras da Dataprev de várias regionais espalhadas pelo país fizeram uma greve contra as privatizações e pelo fim das demissões.