Venda das hidrelétricas sairá caro para o consumidor
Leilão de 29 usinas não teve participação de nenhuma estatal paulista e pode encarecer produção no país
Publicado: 25 Novembro, 2015 - 19h05 | Última modificação: 25 Novembro, 2015 - 19h40
Escrito por: Luiz Carvalho
Diálogo com a sociedade alertou para prejuízos ao consumidor (Foto: Secom-CUT)
Com o povo do lado de fora e os empresários do lado de dentro da Bolsa de Valores de São Paulo, o governo federal leiloou nesta quarta-feira (25) 29 usinas hidrelétricas.
As unidades com capacidade de gerar seis mil megawatts (MW) garantiram a arrecadação de R$ 17 bilhões, conforme previsto pela União. Em Minas, Goiás, Santa Catarina e Paraná – com exceção da usina de Paranapanema, que ficou com a empresa italiana Enel – as hidrelétricas continuam nas mãos das estatais, respectivamente, Cemig, Celg, Celesc e Copel.
Apenas o estado de São Paulo abriu mão de disputar os leilões e, com isso, as unidades de Jupiá e Ilha Solteira, que pertenciam à Companhia Energética de São Paulo (Cesp), foram arrematadas pela chinesa China Three Gorges. Essas hidrelétricas são responsáveis por quase 60% da energia consumida pela região Sudeste.
Para o diretor Executivo da CUT, Marcelo Fiorio, a decisão do governador Geraldo Alckmin (PSDB), de abrir mão da gestão de setores essenciais para o Estado, vai causar sérios prejuízos à população que, segundo o dirigente, sentirá na pele a queda na qualidade do serviço.
“Não foi dada qualquer garantia de que os postos de trabalho serão preservados, a licitação só tem como referência que sejam preferencialmente absorvidos pela nova gestora. Mas, desde 1994 vem sendo reduzidos cada vez mais os empregos”, apontou.
Presidente da Ftiuesp (Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de São Paulo), Gentil de Freitas, aponta a própria Cesp como exemplo do sucateamento no setor no território paulista. “Em 1997, a empresa tinha 16 mil trabalhadores e gerava 13 mil/MW. Com a venda, chegaremos a 450 funcionários e geraremos pouco mais de 10% disso e não foi feito investimento para ampliar o parque energético”, definiu.
O dirigente destaca ainda que a federação ingressou com uma ação para manutenção dos postos, conforme acordo firmado com o Ministério de Minas e Energia para continuidade dos trabalhadores pelos próximos cinco anos.
“O Levy (Joaquim Levy, ministro da Fazenda) pediu para retirar qualquer menção a isso com o objetivo de não afugentar os investidores. O pedido é que façam a sucessão e que a empresa chinesa fiquem também com os trabalhadores, porque o patrimônio pode não ser mais da Cesp, mas a força de trabalho ainda é”, explicou.
Peso no bolso
Outro prejuízo à população é financeiro. Mas para explicar como isso ocorre, é preciso voltar a 1995, quando o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) aprovou a lei de privatizações. Pela regra, algumas concessões voltariam ao poder concedente, que deveriam licitá-las novamente, após concluído determinado prazo.
Em 2012, o governo Dilma Rousseff fez uma proposta para que as empresas, com vencimento de concessão entre 2015 e 2017, pudessem renovar por mais 30 anos, desde que aceitassem a nova regra proposta pela Medida Provisória 579 de barateamento do valor da energia, que passaria a ser vendida por R$ 33/MW.
A proposta foi recusada pelos governadores tucanos Antonio Anastasia (MG), Beto Richa (PR), Geraldo Alckmin (SP) e por Raimundo Colombo (PSD-SC).
Presidente do Sindicato dos Eletricitários de Campinas, Carlos Alberto Alves, ressalta que a medida de Dilma leva em conta que todo o passivo para a construção das usinas, como pagamentos por impactos ambientais, já foi quitado e seria possível, então, estabelecer um novo acordo para geração de energia.
“Nós já pagamos por 30 anos o preço na tarifa e as empresas iriam continuar ganhando, mas não como hoje, quando produzem por R$ 30 MW e vende R$ 800 MW. A tarifa que a Dilma reduziu em 18% para residência, diminuiria ainda mais. Mas os governos do PSDB de São Paulo e do Paraná, onde estão as maiores hidrelétricas, seguidas por Minas, tomaram decisão de não aceitar e continuaram vendendo a R$ 800/MW. Ou seja, continuam ganhando horrores às custas da população”, define.
Para ele, porém, a responsabilidade também é federal, já que as unidades, após voltarem para as mãos da União, poderiam ser anexadas à Eletrobrás.
Modelo vulnerável
Marcelo Fiorio critica também o modelo privatista do governo, alternativo à própria saída adotada a partir do governo do ex-presidente Lula.
“Não está garantido que a energia que essas empresas gerarem será com uma tarifa adequada, porque o modelo agora é de cobrar pela venda do patrimônio, a partir de um preço mínimo, abandonando o critério de concessão a quem oferecer a melhor tarifa”, aponta ele, ainda que exista um limite de R$ 123,80 por MW.
Ele também classifica como retrocesso a MP 668, aprovada às vésperas do leilão, para transferir o risco hidrológico ao consumidor e atrair investidores. Com essa medida, caso falte água e seja necessário acionar as termoelétricas, que têm maior custo, o prejuízo será repassado ao consumidor.
“A mudança da bandeira, de amarela para vermelho, por exemplo, é o tal do risco hidrológico. O que o governo fez, de botar os bancos públicos para financiar a energia mais cara com o objetivo de diminuir os custos da produção e não afetar a população, não acontecerá mais. É o capitalismo sem risco”, definiu.
A mesma medida permite também a comercialização de 30% da produção no chamado mercado livre, fator que impacta diretamente sobre o valor dos produtos.
“A energia que não é gerada para o mercado cativo, de residências e pequenas indústrias, poderá ser vendida acima dos R$ 123,80 MW delimitado na licitação. Os grandes consumidores, como as grandes empresas, que têm alta demanda, vão observar a produção encarecer e repassar o preço ao consumidor”, falou Fiorio.
Diante da Bolsa de Valores, um dos representantes do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) no protesto, Ubiratan Dias evocou o desastre de Mariana para lembrar a necessidade de aprender com os erros enquanto ainda é tempo.
“A Samarco, que lucra bilhões por ano, não conseguiu proteger a população de Minas Gerais e o meio-ambiente, mesmo com condições de fazer investimentos nas áreas técnica e científica para evitar um desastre. E não fez porque preferiu privilegiar os lucros a ter uma margem de segurança maior. Isso não é exclusivo da Samarco. A Light, privatizada, tinha bueiros explodindo na rua, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a Sabesp, uma das empresas com maior remessa de lucro para o exterior, deixou o povo sem água. Patrimônio público não pode ser gerido como mera mercadoria nas mãos de empresa privada que só quer lucrar.”