Violência política pode acabar em guerra civil, alertam especialistas
Para o cientista Aldo Fornazieri e a filósofa Márcia Tiburi, o discurso de Jair Bolsonaro (PSL) reforça a prática da violência contra as minorias e, com isso, cresce o perigo de mais desordem institucional
Publicado: 26 Outubro, 2018 - 17h40 | Última modificação: 26 Outubro, 2018 - 18h59
Escrito por: Rosely Rocha, especial para Portal CUT
A polarização política criada a partir das declarações agressivas, racistas, misóginas e preconceituosas contra mulheres, negros, gays e nordestinos de Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República, incentivaram uma onda de violência de seus seguidores nas ruas, universidades e onde eles encontrarem um cidadão ou cidadã contrários ao que prega o candidato de extrema direita.
Quem ousou dizer que votou em Fernando Haddad, candidato do PT, que defende a democracia, as liberdades civis e os direitos, foi assassinado, como o Mestre Moa. Mesmo quem não se posicionou publicamente, como a ministra Rosa Weber, do Tribunal Superior Eleitoral, foi ameaçado pelos apoiadores de Bolsonaro.
Para a filósofa Marcia Tiburi, a grande manipulação das massas leva as pessoas a aderirem ao discurso de ódio porque interessa que pobres matem pobres, como já vem sendo feito nas periferias do país em que o policial negro ou pardo, abandonado pelo Estado, é incentivado a matar os jovens negros e pardos.
Bolsonaro arregimentou essa multidão a partir da manipulação do discurso do ódio. É a ideologia de exploração dos mais fracos
“A eleição de Bolsonaro não é a escolha entre a civilização e a barbárie porque já estamos vivendo sob a barbárie, mas eleger Fernando Haddad é dizer não a barbárie”, afirma Tiburi.
O cientista político e professor Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) alerta que o fato de Bolsonaro não repreender categoricamente seus seguidores para pôr um fim às ameaças de violência, assassinatos e estupros, que vêm sendo praticados em seu nome, está deixando o país à beira do caos institucional e pode até levar a uma guerra civil.
“Temo a violência generalizada e até uma guerra civil se não houver uma desautorização enfática de Jair Bolsonaro e outras autoridades contra a violência que vem sendo praticada”, alerta.
De acordo com Fornazieri, o processo de redemocratização do país apenas criou um constrangimento político, social e moral sobre o preconceito. Mas, agora, com a crise generalizada do sistema político, o descrédito dos partidos e as declarações de Bolsonaro, que estimulam a violência, as pessoas se sentem autorizadas por ele a se manifestarem da mesma forma.
Os demônios da sociedade que estavam ‘escondidos’ na alma de cada um se soltaram. Não há mais constrangimento para ser homofóbico, machista e pregar a violência
O professor explica, ainda, que as pessoas seguem o líder como devotos e se sentem autorizadas a praticar esses atos se o líder não desautoriza e condena veementemente qualquer tipo de coação e violência.
“Bolsonaro é responsável direto pelas interpretações dos seus seguidores porque as palavras dele foram suficientemente explícitas para estimular a violência. Por isso, não é nenhuma surpresa o aumento da violência contra as minorias neste processo eleitoral”.
Já a filósofa Marcia Tiburi credita também o atual momento político pelo qual passa o país à manipulação da mídia e aos interesses financeiros do capital estrangeiro.
“A cultura brasileira tem uma marca autoritária muito forte e foi alimentada pelos meios de comunicação e pelo capital financeiro internacional. O país foi durante a ditadura militar um laboratório do liberalismo. Após o processo de redemocratização houve arrefecimento, mas, após o anúncio da descoberta do pré-sal em 2006, o país voltou a ser novamente cobiçado pelos interesses do capital financeiro internacional”, avalia Tiburi.
Bolsonaro incentiva violência
As denúncias de violência e de ameaças por parte de apoiadores de Bolsonaro contra a integridade física aos eleitores ou pessoas simpáticas as propostas de Haddad são diárias e a lista de vítimas cresce a cada dia, enquanto o candidato de extrema direita se limita a dizer que não quer voto de quem pratica violência.
No último sábado (13), no Guarujá, litoral de São Paulo, um rapaz negro foi confundido com um ladrão por banhistas e começou o linchamento. Um dos agressores disse “no dia 1º de janeiro isso vai acabar”, em referência a data de posse do próximo presidente da República.
Já em Salvador (BA), o mestre de capoeira Moa do Katendê foi assassinado com 12 facadas por Paulo Sérgio Ferreira de Santana, eleitor de Bolsonaro. Moa morreu porque declarou ter votado em Haddad.
Ainda na Bahia, a professora Marília Flores Seixas de Oliveira, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), foi alvo de violentas agressões verbais e físicas apenas porque estava acompanhada de duas pessoas que usavam adesivos de apoio a Fernando Haddad.
No Paraná, uma mulher denunciou anonimamente ter sido violentada por apoiadores de Jair Bolsonaro dentro do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), por utilizar um broche escrito #elenão. Também foram encontradas nas paredes do Centro Acadêmico pichações com “B17” e suásticas, símbolo nazista. O CA repudiou veementemente o crime e se colocou a disposição da vítima.
Ainda na Universidade Federal do Paraná um estudante que usava um boné do MST foi violentamente atacado por um grupo de 15 torcedores da Império, do time de futebol Coritiba, aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”.
A violência também tem sido frequente na Região Centro-Oeste do país. Em Cuiabá (MT) o contador Jean Douglas contou que um eleitor do presidenciável do PSL disse “você tem cara de quem vota no 13”, minutos antes de agredi-lo em um supermercado, no dia sete de outubro.
Ainda em Cuiabá, uma estudante geologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) relatou que um homem disse a ela que quando o Bolsonaro ganhasse, ele poderia andar com uma pistola na cintura para lhe dar "um monte de tiros na cara".
Manifestações nazistas
Manifestações de apoio ao regime nazista que matou milhões de judeus em câmeras de gás e em campos de concentração também estão se tornando recorrentes nos atos pró-Bolsonaro.
Em Porto Alegre (RS), uma jovem de 19 anos que carregava o símbolo LGBT na mochila, foi atacada no dia oito deste mês, por três homens após descer de um ônibus. Além de socos, os agressores desenharam uma suástica na barriga da jovem com um canivete.
No dia 14 deste mês, uma bandeira com o símbolo do reino imaginário “Kekistan”,adotado por extremistas nos Estados Unidos, foi vista em manifestação de apoiadores do candidato de extrema direita à presidência da República, na Avenida Paulista, em São Paulo.
Também no dia 14 a Igreja em São Pedro da Serra, distrito de Nova Friburgo, interior do Rio de Janeiro, amanheceu pichada com símbolos nazistas
Ministra do TSE e sindicalista sofrem ameaças
A ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, recebeu na última terça-feira (16), um texto em tom ameaçador que dizia “Jair Bolsonaro (PSL) está eleito e haverá revolta popular se as urnas não confirmarem o resultado”.
Também foi ameaçada a presidenta do PSOL Cotia e diretora da Apeoesp, Vanessa Gravino. Um homem de moto a abordou e disse: "fica na sua no segundo turno ou então saberá o que é um estupro coletivo".