Vítimas do crime ambiental de Mariana denunciam descaso das responsáveis
Centenas de atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), protestam contra manobras de empresas responsáveis para se esquivar do pagamento devido de indenizações
Publicado: 15 Janeiro, 2019 - 10h30
Escrito por: Gabriel Valery, da RBA
Centenas de vítimas do crime ambiental das empresas Samarco, BHP Billington e Vale, que devastou a bacia do Vale do Rio Doce entre Minas Gerais e Espírito Santo, estão mobilizadas contra o que chamam de descaso dos responsáveis. Hoje (14), cerca de 500 pessoas protestaram em Baixo Guandu (ES) contra a revisão de 1.500 acordos firmados entre a Fundação Renova – empresa criada para reparar os danos – e atingidos pela tragédia.
O rompimento da barragem de Fundão aconteceu no dia 5 de novembro de 2015 e deixou 19 mortos e 4.500 pessoas atingidas diretamente, além de outros quase 7.500 que tiveram suas vidas prejudicadas, como os que viviam da pesca no Rio Doce. Cláudio Pereira Alvarenga é um deles. Ele denuncia que a reparação está prejudicada em vários sentidos. Dos atingidos, apenas 1.500 recebem auxílio da Renova como reparação. Para completar o cenário de descaso, os contratos existentes não estão sendo respeitados.
Durante o recesso do Judiciário, no apagar das luzes de 2018, a Samarco conseguiu uma liminar para modificar os 1.500 contratos. “Tivemos várias reuniões com a Renova para chegarmos em um denominador comum, aonde receberíamos indenização, um valor mensal e, no fim do ano, um lucro cessante para complementar”, afirma Cláudio.
“Assinamos o acordo na concepção de que ia ser cumprido o que estava no papel. Mas a Samarco passou por cima até mesmo da Renova, dos conselhos e das câmaras técnicas. Entrou na Justiça e passou por cima até mesmo de negociações feitas com o Ministério Público”, completa.
A liminar garante o desconto dos auxílios nos lucros cessantes, como explica Cláudio. “Por exemplo, sou um pescador profissional e recebo mensalmente um salário mínimo e uma cesta básica. No final de cada ano, eles agora somam esse valor e descontam dos lucros cessantes. No contrato que firmamos, está previsto que isso não ocorreria. A Renova nos induziu a assinar o acordo e agora a Samarco passou por cima de nós. Nossa ideia é que, já que não querem pagar no fim do ano, que reveja a indenização mensal. Esse valor não dá para sustentar uma família.”
Para o advogado Leonardo Amarante, que representa a federação de pescadores do Rio Doce, que reúne cerca de 9 mil profissionais, a mudança representa ameaça também para futuros contratos de reparação. “Com essa mudança, não somente os 1.500 acordos já realizados devem ser afetados, mas todos os outros quase 7.500 que aguardam na fila, levando o caso a se arrastar por mais longos anos na Justiça.”
A falta de diálogo e transparência também é alvo de críticas do advogado. Ele afirma que a liminar foi dada sem que tenham sido ouvidos os impactados ou suas entidades representativas e, se mantida, esvaziará e modificará, "de forma absurda", os acordos. "A forma como a Samarco está conduzindo esta situação viola os princípios de boa fé e proibição do comportamento contraditório."
Desde novembro do ano passado a Renova parou com novos contratos de reparação, afirma Cláudio. “Nossa indignação é que morreram 19 pessoas, não houve punição nenhuma, nenhuma sanção para a empresa. Houve multas, mas eles não pagam. Criaram essa empresa para negociar e eles falam que têm 43 programas de recuperação. Não vimos nenhum, apenas essa indenização que está parada. Nos preocupa que o rio não foi recuperado e não tem nenhum programa nesse sentido.”
Protestos
Os atingidos estão em estado de mobilização permanente na região. Na última semana, após uma manifestação no Baixo Guadu e em Colatina (ES), pescadores pernoitaram à beira do Rio Doce para chamar a atenção da Samarco e cobrar um posicionamento. Até o momento, prevalece o silêncio das empresas.
Hoje, a manifestação começou por volta das 9h em frente a um escritório da Renova. Sem manifestação da empresa, as vítimas foram para a linha férrea da Vale, interditando sua operação. O prefeito de Baixo Guandu, Neto Barros (PCdoB), esteve no protesto em apoio. “A manifestação é legítima. A Samarco e suas controladoras, BHP e Vale, estão tratando toda essa tragédia com descaso, postergando soluções que deveriam ter sido colocadas em prática há muito tempo”, disse.
O prefeito questionou os investimentos alegados das empresas. “São R$ 4,4 bilhões e nenhuma casa construída no distrito de Bento Rodrigues (o mais atingido). A Samarco deu calote nos municípios e até hoje não restituiu o que a população foi obrigada a custear para garantir água tratada. A Fundação Renova desrespeita as decisões e não aceita ser questionada.”
Posição da empresa
A Renova divulgou nota sobre a decisão judicial, minimizando as críticas. “A decisão apenas reconhece que o Auxílio Financeiro Emergencial possui a mesma natureza jurídica dos lucros cessantes, na medida em que também se destina a reparar a perda da renda dos atingidos. Neste sentido, a decisão prevê o abatimento dos valores pagos a título do auxílio da parcela anual de lucros cessantes a ser desembolsada no âmbito do Programa de Indenização Mediada.”