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Artigo

As centrais sindicais brasileiras: história, concepções e formas de atuação

Publicado: 08 Abril, 2008 - 00h00 | Última modificação: 17 Novembro, 2014 - 14h03

Este texto faz parte das propostas de ações da Secretaria de Política Sindical da CUT Nacional para o debate, e faz uma rápida análise da história do movimento sindical brasileiro a partir dos anos 80, até sua configuração atual, com o reconhecimento das centrais sindicais. Procuramos ainda, a partir da análise, propor alguns pontos que consideramos prioritários para a atuação dos sindicatos cutistas nesta nova conjuntura. O texto, e principalmente, as propostas de ação aqui apresentadas, são apenas uma contribuição a um necessário debate, e que pretendemos aprimorar a partir de um encontro com as secretarias de política sindical das CUT´s estaduais e ramos e na avaliação das experiências concretas que forem obtidas a partir da definição e da aplicação do nosso plano estratégico.

 

Legalização das centrais

A legalização das centrais sindicais brasileiras tem colocado na ordem do dia a discussão sobre qual central sindical pode melhor representar os trabalhadores. Esse é um debate que diz respeito não apenas aos sindicalistas, mas principalmente aos maiores interessados, os trabalhadores, pois o resultado desta escolha pode proporcionar uma direção com maior ou menor envolvimento com as lutas do cotidiano. A destinação de recursos financeiros para uma central sindical, a ser definida pelo sindicato, deve levar parte dos dirigentes sindicais a fazer uma reflexão sobre o tema, uma vez que é grande o número de sindicatos não filiados a nenhuma central sindical.

 

Nessa conjuntura tem aparecido um grande número de centrais sindicais em busca da legalização, algumas antigas e conhecidas, como é o caso da CUT e da Força Sindical e outras mais recentes, como a União Geral dos Trabalhadores (UGT), que resultou de uma fusão da Social Democracia Sindical (SDS), Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT) e parte da Força Sindical, a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que reúne parte das federações e confederações oficiais, que defendem a atual estrutura sindical, a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), ligada ao MR8, o Conlutas, ligado ao PSTU, (mas que não se apresenta enquanto central sindical) e mais recentemente, a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), ligada ao PCdoB.

 

História

O 1º Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora) foi realizado na Praia Grande em 1981 com o objetivo de construir uma central única dos trabalhadores brasileiros. No entanto, parcela dos sindicalistas presentes não tinha clareza sobre a necessidade de fundar a CUT naquele momento e foi constituída uma Comissão Pró-CUT, para fundar a central no congresso seguinte.

 

Naquele momento configuravam-se duas fortes vertentes no sindicalismo, de um lado o chamado “sindicalismo autêntico” que reunia os dirigentes vinculados ao PT, ala progressista da igreja católica, e trotskistas, que mais tarde fundariam a CUT. E um outro agrupamento, constituído de sindicalistas formados no corporativismo sindical, defensores da estrutura sindical vigente. O racha foi inevitável e resultou na fundação da CUT em 1983, presidida por Jair Menegueli e da Conclat (Coordenação Nacional da Classe trabalhadora) que em 1986 se transformaria na Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), presidida por Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, e depois por Antonio Rogério Magri, que mais tarde seria ministro do trabalho do governo Collor.

 

Um terceiro grupo de sindicalistas não aparece neste contexto, exatamente por serem contrários a criação de uma central sindical, eram os sindicalistas que dirigiam a quase totalidade das federações e confederações da estrutura oficial e sem qualquer referência nas lutas dos trabalhadores. As federações e confederações que dirigiam não praticava o contato e o diálogo com os sindicatos ou com as bases, pois a estrutura sindical permitia – e permite até hoje -  a sustentação desta estrutura através do imposto sindical.

 

Onde estão hoje as forças políticas do período da criação da CUT?

Das forças que originalmente criaram a CUT, parte dos trotskistas, então agrupados na “Convergência Socialista”, se transformaram em partido político, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), juntamente com uma parcela de ex-petistas que também se transformaram em partido político, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), constituíram o Conlutas. Outra parcela do PSOL com uma pequena parcela de petistas construíram a “Intersindical”. Vale lembrar que nem o Conlutas e nem a Intersindical se definem como centrais sindicais.

 

Foram várias as mudanças na composição das forças políticas que criaram a CGT em 1986, em relação à realidade sindical atual. Os sucessivos rachas na CGT foram dando espaços a pensamentos políticos mais homogêneos e partidários. Da CGT original surgiram: CGTB, CAT, SDS, FS, CGT e CTB.

 

Uma parcela da CGT, ligada ao MR8 constituiu sua própria central sindical, a CGTB, outra parcela constituiu a Força Sindical (FS). É importante recordar que a FS nasceu a partir de uma iniciativa do então presidente Fernando Collor de Mello, que queria uma central sindical que o apoiasse e que se opusesse a CUT, procurando conseguir assim o apoio de parte do movimento sindical ao seu projeto de governo. Em 2007 foi fundada a UGT, resultado da fusão da CAT, SDS, CGT e parte da FS. E finalmente, a CSC, que saiu da CGT e entrou na CUT em 1992, de onde saiu novamente para fundar sua própria central, em 2007.

 

Um terceiro segmento: os “sindicalistas” instalados na maioria das confederações e federações oficiais e contrários a construção de uma central sindical, criou a NCST, com o intuito de garantir que os recursos financeiros de seus sindicatos filiados continuem sendo canalizados para a manutenção de suas estruturas, a partir da legalização das centrais.

 

O vai e vem da CSC

A CTB é o braço sindical do PCdoB, embora neguem publicamente. Para se contrapor a esta afirmação, alegam que no interior da Corrente Sindical Classista (CSC) e agora na CTB militam sindicalistas filiados ao PSB e ao PDT. Embora possam existir sindicalistas de outros partidos, figuram mais como adorno, pois são inexpressivos. A maior parte dos sindicalistas, filiados ao PDT, encontram-se na FS, como é o caso inclusive do seu presidente.

 

Foi da direção nacional do PCdoB a decisão de não ingressar na CUT em 1983 e ingressar na CGT. Foi também da direção nacional do PCdoB, a decisão de que a CSC deveria sair da CGT e entrar na CUT, em 1992. E é novamente, por determinação da direção nacional do PCdoB a saída da CSC da CUT para fundar uma nova central sindical. As plenárias e congressos realizados para esta tomada de decisão são apenas instrumentos utilizados para referendar no movimento sindical uma decisão partidária.

 

A saída da CSC da CUT, e sua constituição em uma central sindical acontecem por razões facilmente entendidas. No interior da CUT a CSC era minoritária e as posições políticas do PCdoB não eram refletidas nas resoluções da CUT, tais como a filiação internacional, a unicidade sindical, ou a defesa da convenção 87 da OIT, em que o PCdoB tem posições antagônicas à CUT. Logo, como as posições do PCdoB não tinham repercussão na CUT, a alternativa encontrada foi aproveitar o momento de legalização das centrais para criar sua própria central sindical, assim, além de divulgar no movimento sindical as posições do partido em nível nacional e internacional, terão ainda recursos financeiros, o que não acontecia antes.

 

Mas, para entender que as posições políticas partidárias é que definiram a saída da CSC da CUT para criar a CTB, e importante entender a conjuntura em que essa central foi criada. Na verdade, a CTB surge para representar sindicalmente o chamado “bloquinho”, que aglutina no plano partidário o PCdoB, PDT e PSB, ou seja, a concepção do “bloquinho” partidário está refletido na CTB, sendo que o “bloquinho” sindical tem uma representação muito maior do PCdoB do que a do PDT e PSB, partidos extremamente reduzidos na composição da direção desta central.

 

Após o 9º Concut a CSC ameaçou sair da CUT caso não tivessem de volta o cargo da vice-presidência, que ocupavam até então, e que passou a ser ocupado por uma dirigente rural. Para contornar o problema, a direção da CUT decidiu pela criação de duas vice-presidências, solução que agradou os comunistas e apaziguou os ânimos. No entanto, concomitante a isso, na Câmara Federal o PT entrava na disputa da presidência da Câmara, derrotando o então presidente, Aldo Rebelo, do PCdoB. A partir daí inicia-se o processo de construção do bloquinho, visando o lançamento de Ciro Gomes à presidência da República e de Aldo Rebelo para a prefeitura de São Paulo. A partir desta movimentação política do PCdoB a sua direção nacional decide pela saída da CSC e a construção de sua própria central sindical.

 

Portanto é falsa a polêmica de que a CSC deixou a CUT devido a “falta de democracia interna”, ou “seu atrelamento ao PT”, ou “dependência do governo”. A CSC ficou na CUT durante 15 anos mesmo tendo posições políticas contrárias à central e sem questionamentos em relação à sua democracia interna. A saída da CSC da interior deu-se única e exclusivamente por uma decisão da direção nacional do PCdoB que aconteceu no início de 2007 e que desembocou em um congresso da CSC, ainda em 2007,  para homologar a decisão da direção do PCdoB.

 

Filiação internacional

A CUT já nasceu com uma das maiores centrais sindicais do mundo e obviamente era cortejada internacionalmente para se filiar a uma das entidades internacionais existentes então, a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL), a Confederação Mundial do Trabalho (CMT) e a Federação Sindical Mundial (FSM).

 

A CUT permaneceu sem filiação internacional enquanto fazia o debate interno, pois existiam posições favoráveis e críticas a todas centrais internacionais. Após longo debate, a CUT se posicionou pela filiação a CIOSL e sobre a necessidade de uma intervenção da CUT, juntamente com outras centrais sindicais do terceiro mundo, no interior da CIOSL procurando imprimir um novo relacionamento e uma nova visão sobre o mundo do trabalho,  considerando como necessária a filiação internacional em uma sociedade cada vez mais globalizada.

 

Com a unificação da CIOSL e a CMT em 2006, criando a Confederação Sindical Internacional (CSI), a CUT passa a ser filiada a esta nova internacional e o movimento sindical mundial passa a ter apenas duas centrais, a CSI que abriga sindicatos de todos os continentes e a FSM, restrita a sindicatos em poucos países, tais como a CTC de Cuba, a CTP do Peru, a CTE do Equador, entre outras. No Brasil antes da CTB, a CGTB era (e continua) filiada a FSM, sendo que o presidente da CGTB, Antonio Neto, foi presidente mundial da FSM. Embora existam duas centrais mundiais, podemos afirmar que a representação da FSM é inexpressiva em relação a CSI.

 

Nas Américas, aconteceu em 2008, na cidade do Panamá, a construção da Confederação Sindical das Américas (CSA), unificando a Organização Regional Internacional dos Trabalhadores (ORIT), organização regional da antiga CIOSL e a Confederação Latino- Americana de Trabalhadores (CLAT), confederação regional da antiga CMT.

 

Relação com o governo Lula

No aspecto de relação com o governo Lula, os críticos da CUT  - à direita ou à esquerda - costumam argumentar que antigos dirigentes da central, hoje se encontram em cargos importantes no governo federal, o que faria com que a CUT perdesse sua independência frente ao governo. É inegável o fato de que parcela dos dirigentes da CUT são filiados ao PT, assim como grande parte dos dirigentes da CTB são filiados ao PCdoB, da FS são filiados ao PDT, e assim por diante. A CUT apoiou Lula para presidente da República, entendendo ser o melhor candidato para fazer um governo voltado para os trabalhadores e setores mais explorados da população. A FS apoiou Geraldo Alckmin, o Conlutas e o PSOL apoiaram Heloisa Helena.

 

Consideramos que é inegável que o governo Lula foi, e continua sendo, melhor para os trabalhadores do que seria um governo neoliberal, pois abriu e mantém diálogo com as centrais e movimentos sociais. São inegáveis os avanços obtidos como a redução da pobreza, a diminuição do desemprego, a participação das centrais em diversos conselhos, a legalização das centrais sindicais, os aumentos do salário-mínimo, discutidos com os atores envolvidos, os acordos salariais com ganhos acima da inflação, o acesso de populações pobres, negras e indígenas às universidades, a desoneração de impostos para produtos essenciais à população de baixa renda, como produtos da cesta básica e material de construção. Enfim, são conquistas importantes para os trabalhadores, onde a CUT se sente elemento importante e ativo no processo.

 

O fato de apoiar não significa apoio incondicional. Não foram poucas as vezes que a CUT se manifestou contra a taxa de juros determinada pelo Copom, contra a terceirização no serviço público e realização de concursos, pela recuperação dos salários dos servidores federais que foram praticamente congelados durante o governo FHC, pela ratificação da convenção 158 da OIT, aprovada, mas denunciada ao STF pelo governo FHC, na coleta de assinaturas, em conjunto com outras centrais, para a aprovação da redução da jornada de trabalho sem redução salarial e na realização de quatro marchas à Brasília.

 

Convenção 87 da OIT

A defesa da Convenção 87 da OIT é um dos elementos que coloca a CUT em posição oposta às demais centrais sindicais. A CUT sempre defendeu a total liberdade de organização sindical, sem a intromissão do Estado, o que quer dizer que os trabalhadores é que decidem em qual sindicato querem se filiar e lhes dá liberdade para organizar seu próprio sindicato. Aí está uma grande diferença entre a concepção cutista de organização sindical e das demais centrais. Enquanto a CUT defende que os trabalhadores é que definem a melhor forma de se organizarem, as demais centrais defendem a unicidade sindical, ou seja, um único sindicato por categoria em cada cidade impondo limitações para a organização dos trabalhadores. O que as demais centrais chamam de fragmentação da atuação sindical nós chamamos de liberdade de organização.

 

Taxas compulsórias

A cobrança compulsória de taxas para a manutenção da estrutura sindical é outro ponto divergente da CUT em relação as demais centrais sindicais. A CUT, desde sua fundação, defendeu que os trabalhadores, além de definirem qual a melhor forma de se organizarem, também devem definir de que forma sustentam financeiramente suas lutas. A CUT entende que os sindicatos devem sobreviver das mensalidades sindicais e das taxas assistenciais, definidas em assembléia das categorias profissionais.

 

Enquanto a CUT é contra, as demais centrais defendem a cobrança do “imposto sindical” que representa o desconto de um dia de trabalho de cada assalariado, e é o grande responsável pela manutenção de tantos sindicatos, federações e confederações sem qualquer compromisso com a base, pois sua sustentação financeira não passa pela filiação, mas apenas pelo imposto compulsoriamente cobrado dos trabalhadores.

 

Organização por ramo ou por categoria

Outra diferença que podemos apontar é se a organização dos trabalhadores se dá por ramo ou por categoria. A CUT defende a organização por ramos por entender que a criação de diversos sub-segmentos profissionais dentro de uma mesma categoria dificulta cada vez mais a organização por categoria. A introdução de novas tecnologias e a qualificação/desqualificação progressiva do trabalho tem levado ao surgimento de um amplo leque profissional fragmentando, comparando-se às antigas grandes categorias profissionais. A organização por ramos, desta forma, é mais apropriada, pois parte do princípio de organização de todos os profissionais envolvidos naquele ramo profissional, e não exclusivamente uma determinada categoria, que é bem menos expressiva numérica e economicamente do que o ramo. A organização por ramos de atividades e sua progressiva reestruturação para fusão a ramos similares é um processo histórico em andamento em diversos países, pois aumenta o poder de pressão sindical e combate corporativismos de categorias.

 

A CUT ainda desenvolve projetos de construção de redes sindicais organizando sindicatos, filiados ou não a CUT, em redes nacionais e internacionais em conjunto com as Federações Sindicais Internacionais (FSI´s).

 

O que fazer?

Diante do quadro descrito, a CUT nacional, estaduais e ramos devem priorizar o trabalho junto aos nossos sindicatos, pautados em três eixos fundamentais: 1) manutenção e fortalecimento dos atuais sindicatos filiados à CUT; 2) a conquista de novos sindicatos; 3) ampliação da participação de nossos sindicatos na sociedade.

 

Certamente cada um desses itens requer uma estratégia específica, pois cada tema precisa necessariamente ser acompanhado de um conjunto de ações para que sejam atingidos os objetivos específicos.

Para manter e fortalecer os atuais sindicatos filiados à CUT, por exemplo, é necessário um auto-diagnóstico do desenvolvimento de nossos sindicatos, para podermos levantar nossos pontos fortes e nossos pontos fracos, e então, a partir daí, elaborar estratégias para o fortalecimento dos nossos pontos fortes, e de superação dos nossos pontos fracos, visando acabar - ou ao menos diminuir - as debilidades detectadas em nossas entidades sindicais, o que requer o aprofundamento da democracia interna, maior transparência financeira e administrativa, melhoria nas formas de comunicação, promoção de maior incidência das atividades junto à base, fortalecendo as OLT´s existentes e criando estratégias para sua ampliação, enraizando a CUT nos locais de trabalho. Ter uma maior aproximação entre os sindicatos com as estaduais e os ramos da CUT, além de uma maior integração com os atuais parceiros prioritários, aproximação com novos parceiros e maior intervenção da CUT na sociedade.

 

A conquista de novos sindicatos requer a definição de uma estratégia das estaduais e dos ramos, para a intervenção em eleições sindicais consideradas prioritárias para a ampliação de nossa base sindical. O mesmo raciocínio podemos aplicar em relação a ampliação da participação da CUT na sociedade, junto aos parceiros, movimentos sociais, partidos políticos, ONG´s e governos estaduais e municipais.

 

Enfim, a discussão desses e outros temas, e a definição de estratégias de ação sindical é uma tarefa bastante complexa e que pretendemos aprofundar posteriormente, a partir de reuniões a serem agendadas brevemente, visando construir coletivamente com as secretarias da CUT nacional, CUT´s estaduais e ramos - em debate que deverá ser aprofundado na 12º Plenária - uma estratégia comum, para ampliar a referência dos nossos sindicatos junto aos trabalhadores e na sociedade, e conseqüentemente, ampliar nossa base de atuação sindical.