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Governo ilegítimo pode acabar com o Mais Médicos

Basta romper o contrato com a Organização Pan-Americana de Saúde. Prefeitos são contra e movimentos preparam-se contra o desmonte

Publicado: 19 Maio, 2016 - 17h03 | Última modificação: 19 Maio, 2016 - 17h59

Escrito por: Isaías Dalle

Arison Jardim/SecomPR/Fotos Públicas
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Médico cubano atende moradora de Tarauacá, Acre

O programa Mais Médicos também está na mira destrutiva de Michel Temer. O ministro Ricardo Barros (PP-PR) já disse à imprensa que quer diminuir o número de médicos estrangeiros no programa, de 13 mil para três mil.

Mais grave que isso, no entanto, é que o governo golpista pode simplesmente acabar com o programa inteiro, cancelando unilateralmente o contrato com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), alerta Hêider Pinto, ex-secretário de Gestão de Trabalho e da Educação em Saúde do governo Dilma.

Mas, se o programa é fruto de uma lei, de que maneira o governo golpista poderia simplesmente esvaziar o Mais Médicos, ou mesmo acabar com ele, sem passar pelo Congresso? “Basta deixar de fazer os repasses para a OPAS durante um mês, dois no máximo, e o programa morre por inanição”, alerta Hêider.

O governo golpista não enfrentará apenas a resistência dos movimentos sociais organizados, mas também da maioria dos prefeitos e prefeitas do Brasil. Dos mais de 5,5 mil cidades brasileiras, a maior parte está distante das capitais e dos grandes centros e, portanto, da rede de atendimento em saúde.

“A principal reivindicação dos prefeitos e prefeitas é manter e, se possível, ampliar o Mais Médicos. Pela lei que criou o programa, ele terminaria agora em agosto. Seria uma calamidade para as prefeituras”, diz Eduardo Tadeu, presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM). Foi a pedido de uma comitiva de prefeitos e prefeitas, no dia 29 de abril, que a presidenta eleita Dilma Rousseff editou medida provisória estendendo o programa até 2018.

Eduardo Tadeu conta que, em conversa recente com o Ricardo Barros, o ministro disse que não mexerá no programa, ao contrário do que disse à imprensa. A ABM, de toda a forma, promete fazer pressão sobre o governo e impedir o esvaziamento do Mais Médicos.

63 milhões atendidos

Heider: prioridade é para médicos brasileiros, mas a maioria não quer. Fotos PúblicasHeider: prioridade é para médicos brasileiros, mas a maioria não quer. Fotos PúblicasCriado em agosto de 2013, sob oposição de corporações médicas e forte confusão na mídia, o Mais Médicos tem hoje 18.240 profissionais médicos em atuação. Trabalham em conjunto com equipes de saúde da família. Cada equipe, pelos registros do Ministério da Saúde, atende, em média, 3.450 pessoas. Os dados são apresentados por Hêider Pinto.

Ou seja, 63 milhões de brasileiros são atendidos. Cada equipe de saúde da família visita uma mesma residência pelo menos a cada três meses. Em casos especiais, quando na família há um caso de hipertensão, por exemplo, as visitas são mensais. Quando um bebê nasce, as visitas podem somar quatro por mês.

A polêmica dos cubanos

Muita desinformação foi disseminada na opinião pública por conta da chegada de médicos cubanos para integrar o programa. O fato, porém, é que a contratação de estrangeiros sempre foi a terceira opção do Mais Médicos.

Há três editais de convocação. O primeiro, prioritário, é aberto apenas a brasileiros com diploma registrado no Brasil. O segundo, caso as vagas não sejam preenchidas pelos primeiros, é destinado a brasileiros formados no exterior. Só se sobrarem vagas, o terceiro edital é aberto a estrangeiros.

No primeiro edital, em 2013, apenas 11% das vagas foram preenchidas por brasileiros formados por aqui ou no exterior. Em geral, os médicos não querem trabalhar em regiões afastadas dos grandes centros, nas florestas, no sertão, nas cidades pequenas. E é para essas localidades, onde a falta de atendimento à saúde era crônica, que o programa é destinado, explica Hêider Pinto.

A maioria dos estrangeiros que atendeu ao chamado foi de cubanos por uma razão muito simples. Faz parte do sistema público de saúde cubano a cessão de médicos e outros profissionais da área médica a países em dificuldades. Quando o país é mais pobre que Cuba, ou enfrenta crises como terremotos ou epidemias, Cuba não cobra um único centavo.

Mais brasileiros

Com o passar do tempo, a compreensão dos médicos nascidos no Brasil a respeito do programa ampliou-se. Tanto que nos editais de 2015 e 2016, o número dos inscritos aumentou para 29%. “Isso aconteceu porque os médicos passaram a escutar os testemunhos de quem participou, de ouvir relatos de professores”, conta Hêider.

Mais Médicos também leva medicamentos a populações pobres e regiões distantes. Foto de Arison JardimMais Médicos também leva medicamentos a populações pobres e regiões distantes. Foto de Arison JardimNo entanto, algumas dificuldades em preencher as vagas apenas com médicos brasileiros permanecem. 40% dos inscritos abandonam o projeto antes de completar o prazo inicial de um ano. O mesmo ocorre na segunda modalidade de contratação, que prevê prazo de três anos de trabalho renováveis por mais três. Entre os estrangeiros, o percentual de quem sai antes do prazo é de apenas 15%, sendo que, para eles, só há uma modalidade de contratação: três anos renováveis por mais três.

“Quando o ministro fala em dar prioridade para brasileiros, mostra que desconhece o programa, porque essa prioridade já é prevista na lei”, critica Sandro Alex de Oliveira Cezar, presidente da CNTSS-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social).

Como são remunerados

De 18 mil médicos no programa, 13 mil são cubanos. Mas há 40 outras nacionalidades, sendo o segundo maior contingente o argentino. O Mais Médicos paga R$ 10 mil para cada um, livre de impostos. Os cubanos, por causa da legislação da saúde nacional de Cuba, recebem R$ 3 mil – o equivalente a uma bolsa para médicos residentes no Brasil – e os R$ 7 mil restantes são repassados à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), um órgão da ONU, com sede em Washington, que então os repassa à Cuba. Ao mesmo tempo, os cubanos mantêm o salário que recebem do governo deles.

Médicos sem Fronteiras

Uma contradição curiosa na opinião pública se observa nos últimos tempos, especialmente depois da intensificação de propagandas da ONG internacional Médicos sem Fronteiras (MSF) na TV. Todos parecem admirar esse trabalho de médicos estrangeiros em outros países. São sete mil profissionais de saúde em diversos países do mundo, pagos com financiamentos e doações privadas.

“Se o nosso Mais Médicos tivesse a maioria de franceses, por exemplo, todo mundo ia achar bonito”, comenta o ex-secretário do Ministério da Saúde. “O problema é o preconceito contra Cuba, a falsa ideia de que é uma ditadura que obriga os médicos a trabalhar de graça”, completa.

Seria uma calamidade para as prefeituras
Eduardo Tadeu, presidente da Associação Brasileira de Municípios

O presidente da Associação Brasileira de Municípios acrescenta que, historicamente, os médicos brasileiros aventuram-se em apenas um terço dos municípios brasileiros. “Sem o Mais Médicos, milhões ficarão desassistidos”, garante.

Mais riscos de morte

Eduardo Tadeu lembra ainda outro risco a rondar o programa, que atende pelo nome de José Serra. Ora, mas o Serra não é ministro interino das Relações Exteriores? O que ele tem a ver com isso? “Relações Exteriores, Cuba, entende a ligação?”, responde o presidente da ABM.

Sandro, da CNTSS-CUT, diz que as entidades sindicais do setor saúde já estão se mobilizando, assim como os conselhos de saúde que existem por todo o Brasil. “O ataque não é só ao Mais Médicos, mas ao SUS como um todo. E a militância do SUS é aguerrida, experimentada, e tem todas as colorações ideológicas”, lembra.