Juristas atacam apoio de Marina à terceirização
Para especialistas, programa da candidata à presidência defende retirada de direitos trabalhistas e diminui capacidade de fiscalização da Justiça
Publicado: 08 Setembro, 2014 - 23h55 | Última modificação: 09 Setembro, 2014 - 00h15
Escrito por: Luiz Carvalho e Vanessa Ramos
Roberto Parizotti
A imagem ao lado é a reprodução da página 75 do programa de governo da candidata do PSB, Marina Silva. Para ela, o número elevado de disputas jurídicas sobre a terceirização de serviços, com o argumento de que as áreas terceirizadas são atividades fins das empresas, gera perda de eficiência.
Para os juristas, o trecho deixa claro que Marina tem lado, mas não é o da classe trabalhadora. A candidata talvez desconheça que, mesmo com a proibição na legislação trabalhista de terceirização na principal atividade da empresa, essa forma de contratação já está intimamente ligada ao trabalho escravo e a mortes. Conforme comprovam dados apresentados pelo auditor fiscal do trabalho, Vitor Filgueiras, em recente seminário organizado pelo Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização.
Dos 10 maiores resgates de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão nos últimos quatro anos, 90% eram terceirizados. No setor da construção, campeão em mortes, e mais especificamente na área de edifícios, onde o percentual de mortos é duas vezes superior à média do mercado de trabalho, 135 trabalhadores morreram em 2013, 75 deles terceirizados. Em obras de terraplanagem, que alcança patamar de 3,3 vezes mais chances de acidentes fatais em relação à média do mercado, das 19 mortes, 18 ocorreram entre terceirizados.
Na avaliação da pesquisadora do Cesit/Unicamp, desembargadora e juíza do Trabalho aposentada, Magda Barros Biavaschi, durante reunião do Fórum nesta segunda-feira (8), em São Paulo, a candidata Marina engloba não apenas um ponto, mas as 101 propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para flexibilizar as relações trabalhistas.
“Sob o argumento do afastamento do Estado dos conflitos trabalhistas, Marina defende o negociado sobre o legislado, a diminuição do papel da Justiça trabalhista nos conflitos e que os sindicatos sejam os fiscais do cumprimento das normas. Porém, com a terceirização sem limites, serão os patrões que escolherão com quais sindicatos irão negociar”, critica.
Para a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, o debate sobre a terceirização nesta campanha deve ter papel pedagógico semelhante ao da privatização em ocasiões anteriores. “Devemos discutir com a população e mostrar que uma das candidatas defende a desregulamentação do mercado de trabalho, num cenário com o qual já convivemos, em que o terceirizado tem menos direitos, menores salários e convive com maiores jornadas. Do outro lado, cobramos a presidenta Dilma, que disse na plenária da CUT e em encontro com mulheres no último dia 6 que não foi eleita para retirar nossas conquistas. Queremos saber quem mais se compromete com essa agenda”, questionou.
Desmonte trabalhista
Consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Mauro Menezes, ressaltou que a proposta da candidata do PSB joga por terra o arcabouço legislativo trabalhista. “Temos toda uma normativa que envolve normas regulamentares e disciplinares, que estabelece mínimos protetivos em relação à saúde e segurança e esses podem ser abalados se a vinculação entre empregado e empregador for substituída pela livre contratação que vai diluir, fragmentar, tornar a proteção ao emprego algo intangível. É isso que a liberação total da terceirização significa”, explicou.
Para o assessor jurídico da CUT, José Eymar Loguercio, as grandes empresas têm atuado de forma permanente junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir o lucro por meio da redução de direitos. “A liberação da terceirização para qualquer atividade da empresa é uma estratégia clara da CNI e da Associação de Agronegócio para conseguir aquilo que não foi possível via Congresso, onde enfrentaram a resistência do movimento sindical ao Projeto de Lei (PL) 4330/2004. Elas querem atacar tanto a resistência do movimento sindical quanto a Justiça do Trabalho, que tem feito, no limite possível de sua interpretação, uma avaliação em termos da precarização no mundo do trabalho”, explica.
De autoria do deputado federal Sandro Mabel (PMDB-BA), o PL 4330 defendia o que prega Marina, a terceirização ilimitada. “Aceitar como premissa de que o desenvolvimento econômico do Brasil depende da liberação da terceirização para qualquer atividade é o mesmo que destruir os 70 anos de legislação trabalhista protetiva”, acrescenta.
Congresso
Após o Projeto de Lei 4330/2004 ser engavetado no Congresso Nacional por conta da mobilização da classe trabalhadora, os empresários recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar uma ação civil pública da Celulose Nipo Brasileira (Cenibra). A empresa questiona a decisão do TRT-MG e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de condená-la por terceirizar a atividade-fim e impedi-la de manter essa prática. Mesmo com a decisão do Judiciário trabalhista, o STF aceitou que o caso fosse julgado como uma Ação de Repercussão Geral.
Isso significa que não é mais a questão específica da empresa que está em pauta, mas sim se a terceirização da atividade-fim deve ser permitida no país. E, assim, a decisão passará a referendar os demais julgamentos no país.
A CUT cobra uma audiência no STF para discutir a questão e cobrar que o tema seja debatido no Congresso, opinião que também defende o diretor da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (Alal), Maximiliano Garcez.
Para o advogado, porém, diante da renovação da Casa, os movimentos sociais devem cobrar que essa pauta seja levada para o próximo ano, sob pena de a pressão aos parlamentares não ter efeito.
“Esse é um momento da baixa legitimidade do Congresso Nacional para discutir uma questão dessa magnitude. Teremos deputados que acabaram de ser eleitos nas urnas e ainda não teriam tomado posse e muitos que não foram reeleitos estariam decidindo uma questão tão vital para os trabalhadores e para toda sociedade sem o risco da repercussão popular pelo mandato que acaba. Esse debate só deve ocorrer na próxima legislatura. Essa discussão é iminentemente política e o local mais conveniente para ser feito é o Congresso.”
Juntos e articulados
Enquanto travam luta paralela no parlamento e no Poder Judiciário, as centrais sindicais, juristas, acadêmicos e demais segmentos que compõem o Fórum em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização preparam mobilizações para dialogar com a sociedade.
A CUT lançará em breve a atualização do Dossiê “Terceirização e Desenvolvimento uma conta que não fecha”, elaborado originalmente em 2011, que trata do impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos e, ainda, prepara um livro com artigos sobre o tema.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) fará até o final de setembro um Dia Nacional de Luta contra a Terceirização, com paralisação parcial da categoria.
Já a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ingressará no STF com “Amicus Curiae” (amigo da Corte) no recurso sobre terceirização ainda neste mês. Prepara também uma carta compromisso aos candidatos à presidência da República.
Professores universitários (USP e UFBA), juristas e estudiosos das relações de trabalho no Brasil também publicaram nesta segunda (8) uma “Carta Aberta à Classe Trabalhadora e aos Presidenciáveis” em que criticam a terceirização.
Sinal de que o primeiro passo para governar com a maioria é o óbvio diálogo com a sociedade.