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Não faltam recursos e Previdência não precisa de reforma

Suposto déficit é distorcido, pois não leva em conta renúncias fiscais e desonerações

Publicado: 15 Fevereiro, 2017 - 11h14 | Última modificação: 17 Fevereiro, 2017 - 01h01

Escrito por: Luiz Carvalho

Agência Brasil
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Uma das prioridades do governo ilegítimo de Michel Temer, a Reforma da Previdência Social é mais um passo para acabar com as aposentadorias públicas. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 287/16 encaminhada ao Congresso no final de 2016 e que tramita na Câmara busca restringir ao máximo o acesso a esse direito.

Por um lado, a PEC abre espaço para os rentistas financiadores do golpe ampliarem o mercado da previdência privada. Por outro, avança no projeto de diminuição do papel do Estado para que sobrem recursos destinados ao pagamento da dívida pública. Mais uma medida favorável ao mercado financeiro. O próprio relator da proposta na Câmara, Arthur Maia (PPS-BA), recebeu R$ 299.972 em doações da Bradesco Vida e Previdência.

A reforma impacta diretamente quem mais precisa: segundo dados do IBGE, em 2003, 28 milhões de pessoas no Brasil tinham na aposentadoria sua principal fonte de renda. Além disso, segundo a pesquisa A Previdência Social e Os Municípios, em 64% das cidades brasileiras, os benefícios previdenciários de seus habitantes é maior que o Fundo de Participação dos Municípios. Ainda assim, o programa é vendido como um vilão da economia.

A Previdência faz parte da Seguridade Social, um amplo cesto que inclui iniciativas de financiamento da saúde (o SUS – Sistema Único de Saúde – e outras políticas), da assistência social (programas como o Fome Zero, o Bolsa Família e o Brasil Sem Miséria) e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Com a Constituição de 1988, o país adotou a estruturação da Seguridade Social como um direito de todos e estabeleceu que o orçamento viria de receitas obtidas a partir do lucro das empresas: da CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), das loterias e da tributação sobre importações e folha de salários.

A ampliação da cobertura a partir daquele momento trouxe impactos positivos para a redução da desigualdade e da pobreza extrema por meio de programas que ganharam estrutura, profundidade e qualidade. Em 2012, a Previdência Social beneficiou, direta e indiretamente, mais de 90 milhões de brasileiros, de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Já um levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que, entre 2001 e 2011, a Previdência Social contribuiu com 17% para a queda da desigualdade. E mais, no subperíodo entre 2009-2011, pela primeira vez, os rendimentos da Previdência tiveram maior contribuição (55%) que o mercado de trabalho para a queda da desigualdade.

O primeiro desmonte do modelo veio no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com medidas como a definição de um teto nominal e a introdução da aposentadoria por tempo de contribuição, por idade e o fator previdenciário, que achataram o valor médio dos benefícios. As medidas trocaram ainda o tempo de trabalho pelo de contribuição, reduziram o número de aposentados e retardaram o acesso ao direito, com prejuízos especialmente para os mais pobres que começam a trabalhar cedo.

Em janeiro do ano passado, o vice-presidente de Seguridade Social da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais), Décio Bruno Lopes, disse em entrevista ao Portal da CUT que a reforma é desnecessária se o objetivo for o financiamento do sistema.

Um estudo da associação mostra que mudanças justificadas com base na receita não partem de dados reais. Com base na arrecadação de 2010 a 2014, a Anfip aponta que a Seguridade Social teve superávit que varia entre R$ 63,2 bilhões e R$ 53 bilhões (veja tabela abaixo) e, destaca Lopes, deixa o discurso da reforma como resposta ao lobby da privatização.

Da mesma forma que a CUT defendeu no Fórum Nacional da Previdência, em 2013, o dirigente da Anfip acredita que as possíveis mudanças devam ser medidas que não demandem diminuição de direitos, como uma idade mínima para aposentar, e precisam tratar da cobrança dos maiores devedores, a garantia de que o orçamento da Seguridade Social seja utilizado somente para o financiamento do sistema e que as isenções concedidas pelo governo a diversos setores sejam cobertas pelo Tesouro.

Confira abaixo a entrevista.

Apesar de fazer parte de um orçamento que a Anfip aponta como superavitário, a Previdência, isoladamente, é deficitária. Com o crescimento da expectativa de vida, ela não pode trazer a seguridade para ‘baixo’ e deixá-la deficitária?
Décio Lopes – Ao se falar em déficit da Previdência considera-se apenas as contribuições incidentes sobre a folha de pagamentos e as substitutivas da folha (empregador rural pessoa física e jurídica, agroindústria, SIMPLES, micro empreendedor individual – MEI), sem levar em conta as renúncias fiscais promovidas pelo governo, tais como o Sistema SIMPLES, a desoneração da folha de pagamentos, a inexistência de contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural ao exterior, ainda que esta seja uma contribuição substitutiva da contribuição incidente sobre a folha de pagamentos.

Assim, o déficit da Previdência Social leva em consideração apenas a arrecadação previdenciária, deixando de considerar as renúncias e desonerações, cujos valores deveriam ser somados aos valores arrecadados para efeito de comparação, além de desconsiderar as demais receitas da Seguridade Social, na qual a Previdência Social se encontra inserida. O que se fala de déficit da Previdência decorre da diferença entre o valor da arrecadação da área rural e o valor dos respectivos benefícios pagos, que, em 2014 somaram a cifra de aproximadamente R$ 82 bilhões (arrecadação de R$ 6,7 bi e benefícios de R$ 88,7 bi). Na área urbana, ao longo dos anos, o valor da arrecadação previdenciária tem superado o valor dos benefícios, cujo superávit no exercício de 2014 foi de R$ 27,3 bi (arrecadação de R$ 330,8 bi e Benefícios de R$303,5 bi).

Além disso, com a desvinculação das receitas da União (DRU), 20% de todas as receitas da seguridade social, exceto das contribuições sobre a folha de pagamentos, são utilizados pelo governo para pagamentos de gastos gerais (em especial da dívida pública), cujo valor em 2014 foi da ordem de R$ 63 bilhões, tendo somado mais de R$ 180 bilhões nos anos de 2012 a 2014. Como se não bastasse, o governo pretende prorrogar a DRU até 2023 com aumento do percentual para 30% conforme Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 87/3015.

O senhor acredita que é possível manter as regras atuais?
Lopes  Entendemos que sim, desde que o governo acabe com as renúncias fiscais e as desonerações sejam em valores compatíveis com a necessidade de financiamento da Previdência Social. Em complemento, outras fontes de custeio, mesmo sem aumento da carga tributária, deveriam ser destinadas à Previdência Social, a exemplo das cotas de Previdência previstas na legislação anterior à Constituição Federal de 1988.

Ainda, outras fontes de custeio poderão ser instituídas para sua manutenção, nos termos do disposto no §4º do artigo 195 da Constituição de 1988. Deve-se observar à risca, o princípio da precedência do custeio (art. 195, §5º da CF/88), segundo o qual, nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, princípio este que já estava previsto para a Previdência desde a Constituição de 1946 (Art. 167, §2º).

Quanto ao tempo, este dependerá das reais intenções do governo presente e dos governos vindouros em manter uma Previdência Social forte, como maior distribuidora de renda do país e financiada pelos próprios trabalhadores e empregadores. Ou desmoraliza-la e enfraquecê-la com o discurso de que o déficit público tem seu principal ingrediente no descontrole das contas da Previdência. Tal discurso já vem desde a década de 1980, talvez, como forma de dar satisfação a organismos internacionais e aos meios econômicos interessados nessa fatia de recursos que seriam destinados à Previdência privada, restando à Previdência pública apenas um mínimo existencial. Tal fato parece ter motivado todos os governos, após a Constituição de 1988, terem em suas pautas a Reforma da Previdência.

A Anfip defende algum outro modelo de financiamento da Previdência ou o atual é eficiente?
Lopes – A Anfip entende que o modelo atual de financiamento é factível, necessitando de vontade política para correção das distorções, entre elas as já citadas, além de melhoria nos sistemas de arrecadação e fiscalização, como forma de evitar a sonegação e a evasão fiscal e promover a efetividade da arrecadação, como a revisão de alíquotas inadequadas de contribuição (por exemplo, 5% do salário mínimo para dona de casa e para o MEI, que terão direito a benefício no valor de um salário mínimo).

Outra questão que não parece estar entre os debates reformistas é o prazo de decadência/prescrição para notificação e cobrança das contribuições previdenciárias, que deixou de ser 30 anos (Lei nº 3.807/60 – LOPS e legislação subsequente) para ser de 10 anos (artigo 45 da Lei nº 8.212/91) e, posteriormente, de 5 anos, conforme prevê o Código Tributário Nacional (CTN) após a declaração de inconstitucionalidade do artigo 45 da Lei nº 8.212/91.

A Previdência Social não pode conviver com esse descompasso entre a obrigação de pagar um benefício contando com as contribuições de 15, 30 ou 35 anos. Contribuições essas que não puderam se efetivar por perda do direito de lançá-las após 5 anos de inadimplência, apenas por falta de uma lei complementar, que trate o assunto diferentemente de como faz o  CTN.

O senhor acredita que a fórmula 85/95 válida hoje seja o melhor mecanismo ou defende outro modelo?
Lopes – Uma vez que tenha existido o custeio prévio, a Anfip sempre defendeu um modelo de previdência que não traga prejuízo ao trabalhador. Por isso, sempre foi contrária ao fator previdenciário que tira do trabalhador, ao aposentar, uma parcela considerável do benefício, prejudicando, principalmente aqueles que entraram mais cedo no mercado de trabalhar.

A fórmula 85/95, ao manter o fator previdenciário original, possibilitou ao trabalhador exercer a opção por requerer um benefício com redução ou aguardar o momento para obter o benefício sem redução. Essa modalidade de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição acabou por estabelecer um limite de idade, que somado ao tempo mínimo de contribuição de 30 anos para mulher ou 35 anos para homem, integralizem a fórmula 85/95.

Ocorre que, ao estabelecer a progressividade da fórmula até o patamar de 90/100, a lei acabou por dificultar ao segurado a obtenção da aposentadoria sem redutor, dificuldade esta que poderá até impedir ao trabalhador de certas regiões do Brasil de usufruir de tal benefício, haja vista a expectativa de vida nessas regiões, além das dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

Por que o senhor acredita que a desoneração da folha de salários foi um erro?
Lopes – A opção pela desoneração foi uma decisão do governo em atendimento aos reclamos do meio empresarial e como meio de incrementar a empregabilidade. Entretanto, tal medida se fez com o estabelecimento de alíquotas módicas sem levar em consideração cálculos atuais que apontassem os verdadeiros números necessários para atender a necessidade de financiamento dos benefícios previdenciários.

Além disso, a falta de repasse dos valores integrais de arrecadação acarreta o incremento de suposto déficit da Previdência Social e com isso a justificativa para novas reformas. A transparência na apresentação dos reais valores devidos com a desoneração poderá evitar distorções nos resultados apresentados.